É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O ano em que o medo venceu
O atentado desta sexta-feira (1) em Tel Aviv torna ainda mais valioso o Índice Global de Terrorismo-2015, compilado pelo Instituto para a Economia e a Paz, da Austrália.
Seu dado mais significativo é que 2014 (o ano a que remete o índice) marcou o maior número de mortos pelo terrorismo: 32.685 pessoas, 80% mais que no ano anterior.
Agora, introduza-se na equação artigo do sempre instigante megainvestidor George Soros para o "Guardian", no qual ele afirma que os grupos terroristas descobriram o calcanhar de aquiles das sociedades ocidentais: o medo da morte, de resto ressaltado pelo prefeito de Tel Aviv, Ron Hudai: "O terrorismo tenta nos amedrontar e perturbar nossas vidas".
Para Soros, "o medo da morte despertará e maximizará os latentes sentimentos antimuçulmanos na Europa e na América, induzindo a população não muçulmana a tratar todos os muçulmanos como potenciais atacantes".
Corolário inevitável: "A histérica reação antimuçulmana ao terrorismo está gerando medo e ressentimentos entre os muçulmanos que vivem na Europa e na América (...), do que resulta um campo fértil para potenciais terroristas".
Nir Elias/Reuters | ||
Médicos israelenses socorrem vítima de tiroteio em Tela Aviv |
Voltemos agora ao índice: a esmagadora maioria das mortes provocadas pelo terrorismo não ocorre no Ocidente. Se se excluir os mortos no ataque de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos, apenas 0,5% das mortes foram no Ocidente. Incluindo o 11 de Setembro, a porcentagem sobe para 2,6% (o cálculo abrange os dez anos mais recentes).
O relatório que acompanha o índice diz que "é importante notar que o extremismo político, não o fundamentalismo islâmico, é o principal responsável pelo terrorismo em países ocidentais".
O prefeito de Tel Aviv, a propósito, desconfia, preliminarmente, do nacionalismo palestino como responsável pelos ataques deste dia 1º.
O índice deixa claro que as vítimas do terrorismo são majoritariamente os próprios muçulmanos: 78% de todas as mortes e 57% de todos os ataques ocorreram em apenas cinco países, quatro deles de população esmagadoramente muçulmana (Afeganistão, Iraque, Paquistão e Síria; o quinto é a Nigéria, em que os muçulmanos são ligeira maioria).
Não se trata de sugerir aos ocidentais que relaxem e gozem, mesmo diante de ataques terroristas como os de Paris e o de San Bernardino, nos Estados Unidos.
É óbvio que há razões para sentir medo quando você vai a uma festa de confraternização com colegas, como no caso de San Bernardino, e acaba morto por um casal de fanáticos.
É igualmente óbvio –e Soros sublinha o fato em seu artigo– que, "quando tememos por nossas vidas, as emoções dominam nossos pensamentos e ações, e achamos difícil fazer julgamentos racionais".
O problema é que permitir a continuidade de reações histéricas e de políticas que limitem as liberdades públicas, em nome do combate ao terrorismo, joga a favor dele, e não contra.
Convém levar em conta que criar um fosso entre os muçulmanos e as outras crenças é cevar contencioso com a fatia que mais cresce no mundo: enquanto a população mundial crescerá 35% nos próximos anos, os muçulmanos serão 73% mais numerosos.
Dados do Pew Research Center mostram que os muçulmanos (1,6 bilhão em 2010) serão 2,8 bilhões em 2050, 29,7% da população, empatados com os cristãos. Uma nova cruzada é tudo o que o mundo deveria dispensar.
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