É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O carro novo e o terrorismo
De Justin Welby, arcebispo de Canterbury e, como tal, chefe da Igreja Anglicana: "Os jovens não vão para a Síria [para se unir ao Estado Islâmico] em busca de um carro novo".
Se o pressuposto é verdadeiro —e a sabedoria convencional manda dizer que é—, então é preciso reformular todo o kit mental com o qual o mundo civilizado busca derrotar o EI.
John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, por exemplo, baseia sua convicção de que o EI será derrotado no pressuposto de que o mundo civilizado oferece oportunidades, ao contrário do que ocorre com os terroristas.
O problema é que os jovens que se radicalizam, seja no mundo ocidental ou no muçulmano, não querem o carro novo, que seria uma das oportunidades mais óbvias nesse universo.
O que querem? Responde, em "El País", Eva Borreguero (Universidade Complutense de Madri):
"Na atualidade, o islamismo radical, como qualquer proposta subversiva, proporciona uma via de empoderamento aos jovens, tanto europeus como do mundo muçulmano, que enfrentam uma crise de identidade e a ameaça real de marginalidade em suas sociedades."
(Não é diferente nos bairros periféricos do Brasil, em que o ímã é o crime organizado).
Reforça o escritor indiano Rana Dasgupta: "Muitas pessoas ao redor do mundo estão ficando fora do nosso sistema econômico global, que não as necessita. A disseminação de ideologias radicais é também a respeito desse fato básico".
Não se trata, se o reverendo Welby estiver certo, de que todos os marginalizados queiram um carro, por exemplo. Alguns querem —e é isso que o Estado Islâmico lhes oferece— sentir-se como parte de um sistema de poder.
Shlomo Ben-Ami, ex-ministro israelense de Relações Exteriores, hoje vice-presidente do Centro Internacional para a Paz (Toledo, Espanha), acrescenta que "o problema fundamental consiste em uma luta existencial entre Estados absolutamente disfuncionais e um tipo obscenamente selvagem de fanatismo teocrático".
É óbvio que o número dos que se sentem atraídos pela selvageria é pequeno. Tem que ser pequeno ou, então, o mundo terá fracassado.
De fato, uma pesquisa recente em países como Egito, Arábia Saudita e Líbano mostrou baixas porcentagens de aprovação ao EI (3% no Egito, 5% na Arábia Saudita e 1% no Líbano).
Acontece que porcentagens são abstrações.
Os 3% de egípcios que apoiam o EI correspondem a quase 1,5 milhão de pessoas. Na Arábia Saudita, mais de meio milhão.
Se, com uma dúzia de fanáticos é possível fazer o estrago que se fez em Paris em novembro, imagine-se o caos se esse exército de reserva de simpatizantes resolver entrar em ação.
O que resta é a avaliação de Mohamed bin Rashid Al Maktum, primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos:
"Só uma coisa pode deter uma juventude suicida que está disposta a morrer pelo EI: uma ideologia mais sólida que a guie pela senda correta e a convença de que Deus nos criou para melhorar nosso mundo, não para destruí-lo".
Utopia hoje indisponível.
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