Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

Siga o dinheiro —e a mulher

O filme "Todos os homens do presidente", que conta a trama de Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, popularizou a expressão "follow the money" (siga o dinheiro).

Consta que o conselho teria sido dado aos repórteres que investigavam o caso, no pressuposto de que o dinheiro deixa rastros que podem levar aos mais altos escalões, públicos ou privados.

Esse conselho também vale para a presente situação na Bolívia, desde que ao dinheiro se acrescente "siga a mulher".

Explico: o presidente Evo Morales teve um caso amoroso, a partir de 2007 ou pouco antes, com Gabriela Zapata, do que resultou um filho que morreu pouco depois do parto.

Em 2013, Gabriela foi contratada pela CAMC Engineering, companhia chinesa, que ganhou concorrências do Estado boliviano para realizar obras no valor aproximado de US$ 580 milhões.

Detalhe: desse total, US$ 366 milhões (63%, portanto) foram adjudicados depois que Gabriela foi contratada, o que sugere uma de duas coisas: ou a jovem é de um talento extraordinário ou houve tráfico de influência.

Os contratos estão agora sob investigação, nas vésperas do plebiscito que, no domingo (21), decidirá se haverá ou não uma reforma constitucional para permitir a Evo disputar uma terceira reeleição e, se ele vencer, um quarto mandato sucessivo.

A proximidade da votação levou o presidente a sacar do coldre um clássico do esquerdismo: a acusação de que a denúncia de um suposto tráfico de influência fora arquitetada pelo "imperialismo" norte-americano.

Que os Estados Unidos promovem desestabilizações na América Latina é história antiga, mas que ficou fora de moda com o fim da Guerra Fria. Não há ameaça aos interesses norte-americanos na região nem mesmo por parte de governos esquerdistas como o de Evo.

Tanto não há que Evo, depois de atritos iniciais, recompôs boas relações com o setor privado boliviano, uma das razões pelas quais a Bolívia, nos dez anos do presidente, surfou em uma onda de prosperidade que contrasta violentamente com o fracasso dos companheiros bolivarianos da Venezuela.

As primeiras pesquisas após a eclosão do caso Gabriela Zapata mostraram um avanço do "não" (a uma nova reeleição). Por mais que pesquisas na Bolívia sejam pouco confiáveis, fica a sensação de que, pela primeira vez desde que foi eleito em 2005, Evo Morales corre o risco de perder uma votação.

O tema da corrupção deu a seguinte conotação à campanha eleitoral, na avaliação de Horácio Villegas Quino, professor da Universidade Católica boliviana:

"Não se trata de um plebiscito sobre Evo, mas de definir se se quer continuar com o modelo econômico e social dos últimos dez anos (ponto de vista do governo) ou, como prefere a oposição, de definir se se continua com um governo corrupto".

O argumento da continuidade é forte: o país cresceu em média 4,48% ao ano nos dez anos de Evo, e a pobreza diminuiu de 59,91% em 2006 para 39,06% em 2013 (último ano com estatísticas disponíveis).

Resta ver se a corrupção terá igual peso na hora do voto.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.