É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
No último círculo do inferno
Se Dante Alighieri fosse um cronista da realidade brasileira diria que o Brasil chegou ao último círculo do inferno.
Eu, que conheço a realidade brasileira melhor do que ele, temo que seja possível afundar ainda mais.
É o que insinua, por exemplo, a pesquisa do Datafolha sobre a posição dos deputados a respeito do impeachment : hoje por hoje, não há número suficiente nem para aprovar o afastamento de Dilma Rousseff nem para barrá-lo.
Se essa situação se mantiver na hora da votação em plenário, ficaríamos assim: a oposição sem força para derrubar o governo, por sua vez sem força para governar, em minoria no Congresso e na sociedade.
Por si só, já seria o penúltimo círculo do inferno, mas há que se acrescentar o panorama socioeconômico, caracterizado pelo que o banqueiro Roberto Setúbal define, adequadamente, como a maior recessão em um século e suas inescapáveis consequências (aumento do desemprego e da pobreza).
Desceríamos pois um degrau no inferno.
Segundo me diz gente do governo, o impeachment passará na comissão que o avalia. É natural: nela basta a maioria simples.
Já no plenário, sempre segundo o que se ouve no governo, a coisa está "infernalmente complicada".
Meu palpite, tão bom ou tão ruim quanto qualquer outro: repetir-se-á, no caso do impeachment, o que aconteceu na votação da emenda das Diretas Já, em 1984. A maioria votou pela emenda, mas faltaram 22 votos para que ela alcançasse os dois terços necessários.
Se esse palpite estiver certo, Dilma fica e, com ela, fica o inferno.
A oposição, enraivecida até o ódio, aliás devolvido pela situação, não se conformará e continuará na rua; Eduardo Cunha liberará outras propostas pelo impeachment; o processo de cassação da chapa Dilma/Temer será apressado por um TSE agora presidido por Gilmar Mendes, chefe da oposição no Judiciário.
Enquanto isso, fora da ruína que é o universo da política, a crise continuará corroendo a vida do brasileiro, até porque "o governo da economia é um assunto morto", como escreveu na sexta-feira (8) esse excelente Vinicius Torres Freire.
Continuará morto depois da votação do impeachment, mesmo com resultado favorável, porque, primeiro, a prioridade do governismo continuará sendo evitar a sua morte política e, segundo, porque já ficou demonstrado que não tem capacidade para reverter o infernal cenário econômico.
Mesmo na hipótese de que o impeachment passe, o que produzirá algum alívio entre agentes de mercado e líderes empresariais, o inferno não ficará para trás.
Primeiro porque Michel Temer, o sucessor, também será acossado por processos legais, entre eles o de seu próprio impeachment. E, segundo, porque o seu projeto econômico soa muito como o austericídio adotado na Europa e que provocou substancial devastação social.
Sem falar que Temer não tem o apoio social suficiente para comandar o país em situação infernal.
Repito: só eleição é o caminho. Talvez seja uma utopia, mas é sempre melhor que o inferno.
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