É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
É uma guerra, e está perdida no varejo
Charly Triballeau/AFP Photo | ||
Policiais durante busca em área próxima de onde ocorreu ataque reivindicado pelo EI na França |
O presidente francês, François Hollande, tem razão quando diz que o Estado Islâmico declarou guerra a "nós", podendo traduzir-se o "nós" pelo mundo ocidental e cristão (não é casual que a mais recente vítima tenha sido um padre católico, Jacques Hamel).
Pior: é uma guerra que pode até estar sendo vencida no atacado mas, durante um longo tempo, será perdida no varejo.
Traduzindo: o Estado Islâmico, responsabilizado pelos ataques mais recentes, está perdendo territórios que ocupou no Iraque e na Síria e nos quais proclamou seu califado.
Conforme reportagem de Isabel Fleck nesta Folha, a área controlada pelo Estado Islâmico encolheu 12%, ou 9.700 km², nos primeiros seis meses do ano. Em todo o ano de 2015, os radicais tinham perdido 12.800 km². Somados, dá metade do Estado do Rio de Janeiro.
Essa derrota no atacado não impede que seus "soldados" aumentem os atentados longe do território ocupado, principalmente na França, mas, mais recentemente, também na Alemanha.
Os alvos escolhidos se afastam dos grandes centros, hipervigiados, para buscar localidades pequenas como St.-Étienne-du-Rouvray, a 170 quilômetros de Paris e com apenas 29 mil habitantes, onde morreu o padre Hamel. Ou Ansbach, na Alemanha, de 40 mil habitantes.
Esse tipo de ataque é praticamente impossível de controlar. Uma coisa é enfrentar um exército que necessita preservar a vida de seus integrantes para poder ocupar o território em caso de vitória. Outra é evitar a ação de quem não se incomoda de matar e morrer no mesmo ato –como tem ocorrido em todos os atentados terroristas recentes e não tão recentes.
A única possibilidade, utópica, é vigiar todos os suspeitos, tarefa insana. O caso de Ansbach ilustra a dificuldade: as autoridades investigam 59 refugiados por supostos vínculos com o Estado Islâmico ou outros grupos islamitas e têm informações sobre 400 outras pessoas que poderiam ser consideradas um perigo para a segurança.
Nenhuma delas era o sírio que praticou o atentado em Ansbach. Tampouco estava no radar Mohamed Bouhlel, o franco-tunisiano que atacou Nice.
Além disso, há o efeito imitação: qualquer desequilibrado, como o alemão-iraniano que matou nove pessoas em Munique, sente-se atraído ao ver, na televisão, a notoriedade adquirida pelos terroristas.
Por isso mesmo, a sabedoria convencional manda dizer que mais mortes surgirão nos próximos dias ou semanas, o que tem um segundo efeito terrível, além da dor e insegurança que provocam: dá argumentos para a extrema-direita em sua campanha contra os imigrantes e contra os muçulmanos de modo geral.
Cada vítima do EI acrescenta um voto para partidos como a Frente Nacional de Marine Le Pen na França e a Alternativa para a Alemanha, neste último país.
crossi@uol.com.br
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