É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Quando o público apoia o morticínio como política
Lean Daval Jr/Reuters | ||
O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, durante entrevista coletiva na cidade de Davao |
Rodrigo Duterte foi eleito presidente das Filipinas, em maio, por prometer eliminar (literalmente) os traficantes de drogas. Está cumprindo a promessa: nas sete semanas que transcorreram desde a posse, foram mortas 1.900 pessoas, conforme balanço oficial divulgado pelo chefe da polícia, Ronald dela Rosa.
Detalhe nada irrelevante: uma minoria dos mortos (750) foi abatida pela polícia. Os restantes, ao que tudo indica, por esquadrões da morte ou milícias incentivadas pelo próprio governo.
Quando governava a cidade de Davao, sua plataforma de lançamento para uma carreira política nacional, Duterte se gabava de mandar a polícia atirar para matar sempre que se deparava com algum suspeito.
Sua marca nacional de mortos, portanto, não pode surpreender ninguém. Assusta, é verdade, tanto que a Human Rights Watch pediu ao presidente que "aja decididamente para proteger os direitos de todos os filipinos e para enfrentar a cultura de impunidade no país".
É inútil, no entanto. Duterte age como cowboy sem limites, ao ponto de ameaçar abandonar as Nações Unidas, depois que dois peritos da instituição global apelaram ao governo filipino para pôr fim "à onda de execuções e matanças extra-judiciais", restabelecendo em consequência o primado da justiça.
Além do morticínio ser um problema por si só –e bastante sério–, o que agrava a situação é o apoio popular. É o que constata, por exemplo, Richard Javad Heydarian, professor de Ciência Polícia na Universidade De La Salle de Manila, em entrevista ao "New York Times":
"A questão mais fundamental neste ponto é o porquê de um apoio aparentemente sem precedentes ao novo presidente, apesar das críticas globais ao seu enfoque sem compromisso? Acho que se deve, em grande medida, à dissipação da confiança do público nas instituições judiciais, a um sentimento de que os processos democráticos normais não estão à altura da magnitude da crise".
Desconfio que essa constatação não está longe de valer também para o Brasil.
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