É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Daniel Ortega, mas pode chamar de Somoza
Daniel Ortega será reeleito domingo (5) presidente da Nicarágua, para exercer seu quarto mandato, o terceiro consecutivo.
Seria o triunfo do líder dos simpáticos "muchachos" que, sob a bandeira da Frente Sandinista de Libertação Nacional, depuseram em 1980 a ditadura de Anastasio Somoza Debayle, último herdeiro da dinastia que infelicitou o país desde 1936?
Não. É apenas o início de uma nova dinastia, a ponto de Ortega ter indicado sua mulher, Rosário Murillo, para ser a vice-presidente. É também mais uma promessa de revolução traída, pelo mergulho na corrupção, em aliança com os setores empresariais que sobreviveram ao fim do somocismo.
A retórica oficial ainda é revolucionária, como nos anos 80, mas a realidade é bem diferente, como aponta o cientista político Oscar René Vargas, em artigo para a revista "Nueva Sociedad", da social-democracia alemã:
"O governo Ortega representou uma guinada para a direita no arco político nacional, ao transformar-se em defensor do neoliberalismo em aliança com a velha oligarquia. Durante seu governo se realizaram transferências de rendimentos para as elites econômicas que, por sua magnitude e velocidade, não tem precedentes".
O problema, para os opositores da nova dinastia, é que essa aliança está dando certo, do ponto de vista econômico: a Nicarágua cresceu 4,9% no ano passado e, no primeiro semestre de 2016, mais 4,6% na comparação com idêntico período de 2015.
Do ponto de vista social, a pobreza se reduziu de 43% em 2009 para 30% em 2014.
Consequência inexorável: no mais recente Latinobarômetro, a mais acurada medida do humor dos latino-americanos, 81% dos nicaraguenses se dizem satisfeitos com a vida.
Tudo somado, parece evidente que Ortega nem precisaria recorrer à manobras típicas do "bolivarianismo" para reduzir a quase nada a oposição. Não obstante, sua índole autoritária levou a justiça, dominada por ele, a decapitar a liderança da coligação opositora e, não satisfeito, a cassar 16 deputados e 12 suplentes eleitos em 2011 pelo Partido Liberal Independente, o principal da aliança opositora.
A destituição dos deputados "representa o preâmbulo do novo sistema político que pretende institucionalizar-se nas eleições de 6 de novembro. Como o somocismo, o orteguismo está instituindo sua própia versão de um regime de partido hegemônico", escreve Carlos Chamorro, um dos inúmeros sandinistas desiludidos com a antiga frente revolucionária.
Reforça Dora María Téllez, mítica comandante guerrilheira que liderou em 1978 a ocupação do Congresso somocista: "É uma tentativa de impor um regime de partido único, encabeçado por uma dinastia familiar, com poder econômico e político. Na Nicarágua, as ditaduras não foram militares, mas familiares".
O relativo sucesso econômico e a hegemonia sandinista não bastam para disfarçar o fato de que a Nicarágua, com os Somoza e agora com Ortega, é um dos países mais pobres da região: a renda per capita é de magros US$ 5 (R$ 16) por dia.
Fugir do país em busca de oportunidade é a escolha de 30 mil nicaraguenses ao ano no momento. No total, calcula-se que 700 mil pessoas migraram —ou 11% da população.
São as remessas dessas pessoas que ajudam a sustentar a economia que foi incapaz de lhes oferecer perspectivas para a permanência.
De certa forma, é o tipo de voto com os pés mas que não aparecerá nas urnas de domingo.
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