Donald Trump completou nesta terça-feira (3) a construção do muro prometido durante a campanha eleitoral. Não, não é (ainda) o muro na fronteira com o México, mas uma barreira humana formidável que tende a afetar não apenas o México, mas o mundo todo, inclusive o Brasil que, surpreendentemente, ainda faz parte do mundo.
Refiro-me à designação de Robert Lighthizer para chefiar o USTr (United States Trade Representative, a repartição incumbida das negociações comerciais internacionais, mais ou menos equivalente a Ministério de Comércio Internacional).
Foi a partir dessa posição que partiram as principais salvas contra o Brasil, nas negociações tanto da OMC (Organização Mundial do Comércio) como da defunta Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Lighthizer tem impecáveis credenciais protecionistas, a ponto de ter escrito para o "New York Times", em 2008, que "os modernos defensores do livre comércio abraçam seu ideal com uma paixão que faria Robespierre parecer prudente".
Ajuda-memória: ao contrário do que diz uma lenda muito cultuada entre os liberais brasileiros, não foi a gestão Lula que embaçou a Alca, a portentosa área de livre comércio que iria do Alasca à Patagônia.
Foi a combinação perfeita entre a resistência à abertura industrial de Lula (e, antes dele, de Fernando Henrique Cardoso) e idêntica predisposição do USTr da época em proteger o setor agrícola norte-americano que impediu qualquer progresso.
Um dos chefes do USTr, Robert Zoellick, chegou a dizer que, se Lula não quisesse negociar a Alca, teria que vender produtos brasileiros só para a Antártida. Lula rebateu: "Não discuto com o sub do sub do sub".
Se o USTr de então era, na visão de seu novo chefe, partidário do livre comércio, agora que caiu nas mãos de um protecionista assumido, caem a zero as chances de qualquer avanço em negociações comerciais que não tornem "a América grande de novo", como diz o boné-slogan de Trump.
Logo, o Brasil enfrentará, nos diversos âmbitos comerciais, dificuldades ainda maiores do que as que bloquearam negociações anteriores.
Ainda mais que Lighthizer não estará só: o presidente eleito já havia nomeado, no fim do ano passado, o economista Peter Navarro, autor de um livro intitulado "Morte pela China", que diz tudo sobre sua inclinação protecionista —é uma alusão ao fato de que a abertura para a China "mata" os empregos nos Estados Unidos.
Tanto Navarro como Lighthizer ficam diretamente subordinados à Casa Branca —o que significa que o eventual muro na fronteira com o México será o menor dos problemas para o comércio mundial.
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