É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
França e Brasil chegam a uma mesma situação de irritação com a política
Tornou-se lugar comum tratar as delações da Odebrecht como uma espécie de aviso do fim do mundo.
É curioso que Roger Cohen, notável colunista do "New York Times", tenha usado expressão bem parecida para descrever o ambiente naFrança nesta reta final das eleições de domingo (23).
Para Cohen, o que há na França é a "melancolia do fim dos tempos". Como ele foi correspondente no Brasil, fala português quase sem acento, de repente roubou a expressão do ambiente que se respira no Brasil.
A coincidência obriga a investigar um pouco a influência que esse mal-estar exerce sobre as intenções de voto.
Claro que, entre França e Brasil, há um abismo imenso em todos os aspectos. Para começar, na França, assinala Cohen, "resmungar se tornou um modo de vida, uma resposta à 'grandeur' perdida".
Os brasileiros, ao contrário, sempre foram conhecidos pelo seu otimismo e, além disso, nunca tiveram "grandeur" para que pudessem perdê-la e resmungar em decorrência.
Mas, partindo de pontos diferentes, ambas as sociedades chegaram a este 2017 a uma mesma situação de irritação profunda com os seus respectivos mundos políticos.
Jean-François Monier/AFP | ||
A candidata da extrema direita, Marine Le Pen, discursa em comício em La Bazoche-Gouet |
Basta lembrar que os presidentes François Hollande e Michel Temer têm níveis de popularidade muito próximos -e muito baixos.
O mau humor francês está desaguando em uma talvez inédita situação de dispersão do voto. A mais recente pesquisa, publicada na edição do "Monde" com data de sábado (15), mostra um empate técnico entre quatro candidatos: Marine Le Pen (extrema-direita, 22%); Emmanuel Macron (centro, também 22%); Jean-Luc Mélenchon (esquerda, 20%); e François Fillon (direita, 19%).
Outra pesquisa, do instituto Odoxa, informa que 34% dos eleitores não estão seguros do voto. Hesitam mais os votantes potenciais da esquerda e do centro, ao passo que 87% da turma que vota em Le Pen está firmemente decidida, porcentagem que cai um pouco no caso de Fillon (para 80%).
Se os hesitantes mudarem seus votos e a mudança for na direção da direita, poderia ocorrer um segundo turno entre a direita e a extrema-direita, cenário estapafúrdio e inimaginável até dias atrás.
Pode acontecer também um outro cenário inédito, que seria a disputa final entre a extrema-direita e a esquerda (Mélenchon), a meu juízo mal definido como de extrema-esquerda. Ele é de esquerda, sim, mas não o considero um extremista, como uma agrupação que não tem pudor em se chamar "Novo Partido Anticapitalista" (seu candidato é Phillipe Poutou, 2%).
Se o mal-estar é parecido, cá como lá, mesmo ressalvado o abismo entre França e Brasil, como seria seu efeito sobre o voto em 2018 aqui?
É razoável supor que haveria, primeiro, idêntica dispersão e, segundo, o fortalecimento da extrema-direita, como já se nota pelos 10% que as pesquisas atribuem a Jair Bolsonaro.
Mais que isso, não dá para avançar porque o mundo político está suspenso no abismo que dificilmente será superado até a votação. Seja como for, vale a pena prestar atenção nos resultados da França, essa nossa parceira na "malaise".
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