É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O voto vai para o 'nosso corrupto'
Há uma contradição aparentemente insanável nos números coletados pelo mais recente Datafolha, publicados no domingo (30) : Luiz Inácio Lula da Silva é apontado como chefe do governo campeão no quesito corrupção, mas, ao mesmo tempo, lidera a corrida presidencial.
Suponho que os antilulistas terão uma de duas reações ou ambas: ou o povo não sabe votar e/ou não se importa com a corrupção.
Acho que não é bem assim. Se não se importasse com a corrupção, não teria havido a queda na pesquisa tanto de Geraldo Alckmin como de Aécio Neves, enrolados como Lula na Lava Jato.
E Marina Silva, não envolvida pelo menos até agora, não seria a única política capaz de ficar na frente de Lula num hipotético segundo turno.
Para explicar a contradição, recorro antes a uma lenda urbana que corria, nos anos 60, na redação do Estadão.
O jornalista português (e comunista) Miguel Urbano Rodrigues era o principal editorialista do jornal. Não me pergunte como um comunista podia escrever editoriais para um jornal ferozmente anticomunista. Nem Freud nem Marx explicariam.
O fato é que, à certa altura, houve uma ameaça da ditadura da época de prender Miguel Urbano. O diretor e grande patriarca do jornal, Júlio de Mesquita Filho, reagiu com a seguinte frase, segundo a lenda: "É comunista, mas é meu comunista".
Miguel Urbano não foi preso. Júlio de Mesquita Filho fora um dos principais conspiradores para o golpe e, por isso, era respeitado pelos militares.
No caso da pesquisa Datafolha, suspeito que a fatia dos eleitores que quer votar em Lula pensa algo parecido: Lula pode ser corrupto, mas é "nosso corrupto".
Elaborando um pouco: uma parte substancial do público acha que todo político é ladrão. É um preconceito e, como todo preconceito, é injusto. Mas é uma sensação disseminada não é de hoje e não é só no Brasil.
Se todo político, na visão popular, é ladrão, então o voto vai para o político mais próximo do povão, na linguagem, nas origens (por mais que delas se tenha afastado bastante) e no fato de que seu governo melhorou a vida de uma parcela da população.
Se é apontado como corrupto, paciência. Os outros também não o são?
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