É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Esquerda enfim acorda e critica Nicolás Maduro
Enfim, um sinal de vida inteligente na esquerda global e, em especial, na América Latina: um grupo de cerca de 250 intelectuais e ativistas políticos definidos como de esquerda e/ou progressistas está divulgando manifesto em que critica com dureza o governo de Nicolás Maduro.
Critica também o que cansei de escrever neste espaço: a cegueira da esquerda, que silencia sobre o deslizamento da Venezuela para a ditadura e sobre o seu monumental fracasso administrativo.
Diz o texto, por exemplo: "Não acreditamos, como certos setores da esquerda latino-americana, que devemos defender acriticamente o que é apresentado como um 'governo anti-imperialista e popular'. O apoio incondicional oferecido por certos ativistas e intelectuais não apenas revela cegueira ideológica mas é prejudicial pois, lamentavelmente, contribui para a consolidação de um regime autoritário".
A análise da evolução para o autoritarismo é perfeita:
"Essa dinâmica começou com o Executivo ignorando outros braços do poder estatal, em particular a Assembleia Nacional, em que a oposição tem maioria depois de seu triunfo nas eleições de dezembro de 2015. A tendência aumentou exponencialmente com o subsequente bloqueio de um referendo revogatório –instrumento democrático introduzido pela Constituição aprovada no período Hugo Chávez– e o adiamento de eleições regionais no ano passado, até o fracassado golpe tentado pelo Executivo [a retirada de poderes do Parlamento]".
A análise chega "à recente convocação de um Assembleia Constituinte, de uma maneira claramente inconstitucional, o que, longe de resolver a crise, de fato a intensifica. Esta iniciativa pode ser percebida como uma tentativa de consolidar um regime totalitário no contexto de uma enorme crise social e econômica, evidente na falta de alimentos e remédios, entre outros problemas".
Christian Veron-31.mai.17/Reuters | ||
Manifestantes protestam contra o governo de Nicolás Maduro em Caracas |
Essa esquerda não está dizendo nenhuma novidade. É tudo o que qualquer analista de bom senso e com olhos de ver a realidade relata faz tempo.
O manifesto não deixa de fazer críticas ao que chama de "setores extremistas" da oposição, que "também buscam uma saída violenta". Mas não cobre toda a oposição com esse rótulo nem atribui à totalidade dela o desejo dos extremistas de "exterminar, de uma vez para sempre, o imaginário popular associado com ideias 'perigosas' como organização popular, democracia participativa e uma profunda transformação da sociedade em favor dos setores sociais subalternos".
O documento propõe para resolver a crise o mesmo que inúmeros setores, o governo brasileiro inclusive, estão defendendo: "um diálogo democrático e plural".
Mas dá um passo além: sugere a formação de um "Comitê Internacional para a Paz na Venezuela" cuja tarefa seria "parar a escalada de violência institucional e de rua".
Assinam o documento oito brasileiros, entre eles Chico Whitaker, que foi vereador do PT e é um dos principais nomes do Fórum Social Mundial, a grande quermesse anual da esquerda e das organizações sociais.
Assinam também o antropólogo Otávio Velho e Bruno Bimbi, militante LGBT e tesoureiro do PSOL no Rio de Janeiro.
De fora da América Latina, está o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, um clássico na defesa e na propaganda da esquerda latino-americana.
Falta agora que os partidos mais notórios da esquerda, PT e PSOL, tirem a venda ideológica e reconheçam o óbvio: a Venezuela é uma ditadura e uma ditadura fracassada.
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