Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Uma ideia para o Brasil, antes que seja tarde

Resgato frase de Bill Clinton, o ex-presidente americano, em conversa com o editor da newsletter semanal do "Huffington Post". "A grande vantagem da América é que nós somos uma ideia, não um lugar. Nós não somos uma etnia ou uma cultura uniforme".

A filosofada partiu de um elogio à diversidade e, por extensão, uma crítica ao racismo –tema do momento nos Estados Unidos. Para Clinton, "nós tomamos decisões melhores em sociedades com diversidade do que naquelas homogêneas".

De acordo, Bill, mas eu queria pôr o foco nessa afirmação de que a América é uma ideia, não um lugar, e debater com o leitor se o Brasil também é uma ideia. Temo que não. Temo que o Brasil não tem nem ideia do que quer ser quando crescer, se é que vai crescer algum dia.

Não digo crescer economicamente mas crescer como um projeto de país.

Até aqui, a ideia Brasil foi mais livrar-se de algo do que construir alguma outra coisa.

O Brasil nasceu assim, torto. A ideia da época era simplesmente livrar-se do jugo do colonizador, como se fosse condição suficiente para que nascesse um novo país. Não nasceu, claro, até porque o imperador do país independente era filho do rei do país colonizador.

Caso único entre os países ibero-americanos em que a casa real do colonizador mantém seu representante no comando do país supostamente descolonizado.

Nos quase 200 anos seguintes, houve um punhado de outros momentos em que a ideia do país era livrar-se de algo sem, necessariamente, ter uma ideia clara e definida do que se poria no lugar.

Exemplo recente: a partir de um certo momento dos anos 80, a ideia era livrar-se da ditadura militar –ideia bastante sadia, diga-se. Para concretizá-la juntaram-se as mais diferentes ideias de Brasil. A expectativa subjacente era simples: nos livramos dela, da ditadura, e depois a gente vê o que faz.

Pulemos rapidamente para o presente, que jornalismo não é história. Ou é apenas história do tempo presente e não do passado.

Em curiosa coincidência com a filosofada de Clinton, Joel Pinheiro da Fonseca usa como título de sua coluna "Uma visão para o Brasil". Em vez de "ideia", "visão", o que é basicamente a mesma coisa.

Em seguida, o economista aponta o estado atual da ideia de Brasil (na verdade, da falta dela). Escreve, com toda a razão:

"O debate do dia a dia fica capturado pelas questões emergenciais, pela agenda do Congresso, pelo Judiciário, por especulação eleitoral. Perdemos qualquer perspectiva de elaborar uma agenda para o Brasil, um conjunto de propostas baseado num genuíno projeto de país capaz de unir o eleitorado. Ou avançamos juntos, ou naufragaremos brigando".

É outra coincidência com Clinton, que disse: "Políticas que dividem baseadas em ressentimento são um erro" (erro que claramente está sendo cometido no Brasil).

Pinheiro da Fonseca até alinhavou as suas ideias para o Brasil, mas é, primeiro, uma raridade, e, segundo, o mundo político que seria o encarregado de levá-las à prática não lê ideias.

Tanto não lê que, no dia 18, Vinicius Torres Freire fez uma devastadora crítica ao que chamou de "adiantado estado de decomposição" em que se encontra o debate sobre a eleição de 2018, exatamente o momento em que se deveria pôr de pé uma ideia para o Brasil.

Se, segundo Clinton, uma ideia fez a América grande (ainda que Donald Trump ameace arruiná-la), a crônica falta de uma ideia Brasil deve ter contribuído poderosamente para conduzir o país ao pântano em que se encontra.

Para mim, talvez seja tarde demais para ver nascer uma ideia que evite o naufrágio.

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