É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Eleição é a saída possível, mas exigiria diálogo entre as partes
O governo central espanhol tem todas as razões jurídicas e apoio político interno suficientes para aplicar na Catalunha o artigo 155 da Constituição —o que limita ou suspende a autonomia de qualquer Comunidade cujo governo "atente contra o interesse geral da Espanha".
Que o movimento pela independência dessa rica região (representa um quinto da economia espanhola) está causando prejuízos é óbvio e até mensurável: "El País" relata que a Autoridade Independente de Responsabilidade Fiscal, a cargo da avaliação da sustentabilidade fiscal do país, calcula que haverá uma perda em 2018 de entre € 4 bilhões e € 12 bilhões (R$ 15 bilhões a R$ 45 bilhões) para a economia, dependendo da duração do impasse.
Se a Espanha perde, a Catalunha perde ainda mais: cerca de 917 empresas já mudaram suas sedes sociais da região, o que significa menor arrecadação de impostos para uma Catalunha independente; a queda na venda de autos é estimada por "El País" em de 30% a 40%; as vendas nas lojas de departamento desabaram 20%; a redução nas reservas de hotéis pelos turistas caíram 15% —e o turismo é sabidamente uma enorme fonte de renda para a Espanha e para a Catalunha.
Pena que as razões jurídicas, o apoio político interno e os prejuízos evidentes não bastem para que a intervenção do governo central na Catalunha —que deve ser anunciada neste sábado (21)— resolva a crise. Ao contrário, tende a agravá-la, ao cutucar o sentimento dos catalães que querem a independência e até dos que não a querem mas gostam da autonomia de sua região.
Editorial da Bloomberg, atavicamente contrária a radicalismos como o dos independentistas catalães, aponta que "os separatistas agiram irresponsavelmente e à margem da lei", mas acrescenta, com razão: Mariano Rajoy, o presidente do governo espanhol, "deveria ter o objetivo de vencer com argumentos, em vez de esmagar uma rebelião" [pela força da intervenção].
Tenho sérias dúvidas de que seja possível estabelecer entre Madri e Barcelona um diálogo racional, mas não parece haver outra alternativa.
Um diálogo que, eventualmente, conduza a eleições gerais, de preferência, ou pelo menos na Catalunha. É uma tese, aliás, defendida em editorial de "El Periódico", um dos dois grandes jornais catalães (o outro é "La Vanguardia", igualmente contrário à declaração de independência).
Escreve "El Periódico": "Convocar eleições não somente poderia evitar a intervenção na Generalitat [o governo catalão], como daria à cidadania catalã a possibilidade de expressar sua postura no conflito ali onde se deve fazê-lo: em urnas legais, reconhecidas por todos e com plenas garantias democráticas".
Nada impede, claro, que os independentistas ganhem essa votação, mas uma pesquisa recente (junho) do "Centre d'Estudis d'Opinio", instituto do próprio governo catalão, apontou apenas 41,1% a favor da independência e 49.4% contra.
O problema é que a mesma pesquisa, no quesito intenção de voto em uma eventual eleição regional, mostra a impossibilidade de formar maioria: 31,9% dos pesquisados votariam nos grupos pró-independência e 19,6% nos que são contra.
A chave da maioria ficaria com "Catalunya sí que es pot" (Catalunha sim que se pode), grupo surgido da sociedade civil e que teria 12,1% dos votos.
O grupo tem a sensata posição de exigir o diálogo entre as partes, como discursou, faz pouco, o presidente de seu grupo parlamentar, Lluís Rabell. Para ele, o que deveria predominar seria "a valentia do diálogo".
Tem razão: em uma sociedade fraturada, como está a catalã, só a valentia do diálogo talvez evite "um choque que poderia ter consequências funestas", como diz Rabell.
Choque que parece inevitável tanto se for declarada a independência como se ela for brecada pela força, por mais que esta se ampare na legalidade vigente.
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O que é o Artigo 155?
É um trecho da Constituição espanhola que, diante da recusa de uma autoridade regional em cumprir as leis, permite a revogação temporária de sua autonomia
Quais são os efeitos?
O artigo permite suspender temporariamente a autonomia catalã e convocar eleições antecipadas
O governo catalão será dissolvido?
Não, o Artigo 155 só estipula uma intervenção pontual e temporária. A autonomia só pode ser suspensa por um período curto, para forçar o governo catalão a cumprir a lei
Quais são as condições?
É preciso ter o aval da maioria absoluta do Senado. Não é um problema para Madri, pois a sigla de Rajoy —o Partido Popular— tem maioria na Casa
Qual é o precedente?
Nenhum. O Artigo 155 nunca foi acionado na Espanha. Houve uma ameaça nesse sentido em 1989, quando o então premiê Felipe González ameaçou o governo da Canária para que cumprisse suas obrigações fiscais. O resultado foram negociações entre as autoridades
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