É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Ou a maioria silenciosa faz ruído, como na Catalunha, ou perderá
A formidável manifestação deste domingo (29) contra a independência da Catalunha é uma aula de política, dada ao ar livre, que precisaria ser estudada —e, principalmente, aprendida— pelos brasileiros insatisfeitos com o quadro político predominante.
Qual é a lição básica? Simples: ficar em casa, em silêncio, ou manifestando-se apenas pelas redes sociais não muda absolutamente nada.
Acompanhemos um pouquinho o caso catalão: durante meses (anos até), as ruas estiveram tomadas pelos favoráveis à independência.
Como política hoje em dia é também uma questão de imagens, a sensação generalizada na Espanha e no resto do mundo era a de que a esmagadora maioria dos catalães queria a independência.
Falso. Para demonstrá-lo, basta citar três fatos:
1 - No plebiscito de 1º de outubro pela independência, compareceram apenas 42% dos eleitores, dos quais 90% votaram pela separação da Espanha. Ora, 90% de 42% dá apenas 38% favorável à independência.
2 - Antes, pesquisa do "Centre d'Estudis d'Opinio", do próprio governo catalão, que empurrava pela independência, mostrara, em junho, que 49,4% eram contra a independência e apenas 41,1% a favor.
3 - Por fim, no território dos símbolos, tão essenciais nessa questão, pesquisa da Metroscopia para "El País" deste domingo (29) mostrou que a bandeira que a maioria (60%) acha que representa a Catalunha é a "Senyera", a bandeira da Comunidade Autônoma, contra apenas 22% que prefereriam a "Estelada", a bandeira da Catalunha independente.
Lluis Gene - 29.out.2017/AFP | ||
Manifestantes com bandeiras espanholas e 'Senyeras' protestam em Barcelona |
O problema é que essa maioria preferiu, durante anos e anos, ficar em casa, deixando que as ruas fossem inundadas pelas "Esteladas", ajudando a criar uma espécie de efeito manada em favor da independência.
Agora que a maioria antes silenciosa decidiu finalmente gritar, o ambiente começa a mudar. Ainda é cedo para saber se haverá resistência à deposição do governo catalão, decretada no fim de semana por Madri, e qual será o tamanho da resistência.
Mas é significativo que os três grupos pró-independência —PDeCAT ou Partido Democrático Europeu Catalão, conservador, Esquerda Republicana da Catalunha e Candidatura de Unidade Popular, ambos de esquerda, este último de extrema-esquerda— já se dispõem a participar da eleição regional que o governo central marcou para 21 de dezembro.
A eleição é parte do pacote de intervenção, ao qual todos os três se opõem, o que os obrigava a opor-se também à eleição.
Viremos o foco para o Brasil: a esmagadora maioria dos brasileiros não está gostando da maneira como funciona a democracia no país —constatação bem medida pelo "Latinobarómetro" divulgado na semana passada.
Só 8% confiam no governo (último lugar entre os 18 países pesquisados); só 11% confiam no Parlamento (penúltimo lugar, à frente apenas do Paraguai, com 10%); e só 7% confiam nos políticos (também último lugar).
Mas essa desconfiança não é visível a não ser nas redes sociais e em pesquisas que ficam restritas ao âmbito dos (poucos) informados.
Quem quiser derrotar a bandeira negra dos corsários precisa pôr na rua a sua própria "Senyera" (que, em catalão, quer dizer "estandarte"). Ou a voracidade dos piratas prevalecerá sempre sobre o silêncio dos inocentes.
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