Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Regime iraniano pode ter assegurado presente, mas perdido futuro

Morteza Salehi/AFP

As manifestações a favor do governo iraniano desta quarta-feira (3) parecem assinalar o fim do novo ciclo de protestos contra o regime.

Cabe prudência, no entanto, porque regimes tão fechados como o iraniano impedem a livre circulação de informações e avaliações que permitam afirmações definitivas. Se além de fechado, o regime é teocrático, a prudência é ainda mais recomendável, porque os infiéis têm natural dificuldade em entendê-lo.

Cautela ainda maior ao se pensar no futuro imediato. A vitória dos aiatolás é duradoura ou as manifestações apontam para mudanças profundas a médio ou longo prazo?

A maioria das respostas vai no sentido de que a solidez do regime está abalada. É o que diz, por exemplo, memorando classificado do ministério israelense do Exterior e vazado pelo Canal 10 local: "No momento, os protestos não constituem uma ameaça para a sobrevivência do regime, mas eles o enfraquecem, minam sua legitimidade e potencialmente ameaçam sua estabilidade no longo prazo".

Como os israelenses veem no Irã dos aiatolás uma ameaça existencial, estudam-no com afinco sem paralelo. Vale a pena, pois, prestar atenção ao que dizem.

Ainda em Israel, Nadav Eyal, colunista do "Yedioth Ahronoth", lembra que os iranianos são um povo acostumado a protestos: "Eles sabem que protestos derrubaram o Xá [em 1979] e sua terrível polícia secreta".

O problema dessa, digamos, tradição revolucionária é que ela tem acabado mal sempre, lembra Haleh Esfandiari (Woodrow Wilson International Center). Ela rememora três grandes levantes políticos do século passado, incluindo a Revolução Islâmica de 1978/79, para concluir:

"Cada um diferiu dos outros em importantes pontos, mas todos constituíram uma reação à corrupção, desgoverno e autocracia. (...)Todos se caracterizaram por uma aspiração por alguma forma de governo democrático. Mas, de cada vez, essa aspiração não se concretizou".

A descrição do passado parece coincidir com o que está acontecendo agora. Haverá igualmente o desencanto com aspirações democráticas não satisfeitas?

Ray Takeyh (Council on Foreign Relations) acredita que, num primeiro momento, haverá mais do mesmo: "O Irã se moverá para uma de suas eras mais sombrias, com escalada da repressão, censura e a imposição de onerosas restrições culturais".

Mas, no longo prazo, Takeyh coincide com o memorando israelense: "A tragédia de Ali Khamenei [o líder supremo] é que, ao consolidar sua revolução, ele está assegurando a eventual morte de seu regime".

Vai na mesma linha Amir Ahmadi Arian, escritor e jornalista iraniano: "O governo pode sobreviver a essa rodada [de protestos], mas algo de fundamental mudou: o indiscutível respaldo da área rural, no qual se apoiava contra o descontentamento da elite metropolitana, não existe mais. Agora, todos parecem infelizes".

Os jovens estão especialmente infelizes: o desemprego vai a 29,2% entre os de 15 a 24 anos. Alguma surpresa com o fato de que 90% dos presos nos protestos tenham menos de 25 anos? Posto de outra forma: o regime pode ter assegurado o presente, mas parece estar perdendo o futuro.

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