Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Uma eventual saída para a tragédia venezuelana passaria por Havana

A proposta de Ricardo Hausmann, o acadêmico venezuelano radicado nos Estados Unidos, republicada pela Folha na quarta-feira, tem uma lógica indestrutível: é de fato necessário —e urgente— pensar o impensável para tentar resolver a tragédia venezuelana.

Afinal, todas as hipóteses "pensáveis" fracassaram. Fracassou a via eleitoral. A oposição até conseguiu a maioria qualificada (dois terços) na eleição para a Assembleia Nacional, mas o governo usou todos os recursos típicos de uma ditadura para esvaziá-la. Transformou-a em uma casca sem conteúdo.

Fracassou também a alternativa à via eleitoral, qual seja o protesto de massa. Foi suprimido à bala e por milhares de prisões.

O diálogo, outra alternativa, deu em nada. Ninguém acredita que a nova rodada, marcada para a semana que vem, resulte em algo. Nem o Vaticano conseguiu abençoar o diálogo.

As sanções impostas pelos Estados Unidos e, com menor contundência, pela União Europeia, tampouco produziram resultados até agora.

Pensar o impensável —ou o inconcebível, como preferiu Hausmann— é lógico. Pena que o impensável por ele apresentado é inexequível, nas duas pontas. Nem a Assembleia Nacional tem tutano e coesão interna para montar um governo nem os países americanos, na improvável hipótese de que fosse enfim armado, teriam apetite para intervir em favor dele e, assim, defenestrar Nicolás Maduro.

Talvez seja menos impensável outra proposta heterodoxa, esta do sociólogo mexicano Jorge Castañeda, ex-chanceler de seu país e profundo conhecedor da América Latina: "Não há saída para a tragédia de Caracas sem Cuba; não haverá cooperação cubana sem algo em troca", escreveu Castañeda já no ano passado.

Tem toda a lógica: Cuba tem atualmente na Venezuela 60 mil efetivos, entre militares, policiais, médicos e treinadores esportivos. A oposição venezuelana jura que todos são agentes de segurança e inteligência.

Pode ser exagero, mas é evidente que os cubanos tutelam as forças armadas venezuelanas e os serviços policiais, de identificação, de inteligência e de registros de identidade.

Cuba ganha em troca 105 mil barris/dia de petróleo praticamente de graça, além do pagamento dos serviços de seus agentes na Venezuela.

Escreve Moisés Naím, outro acadêmico venezuelano radicado dos Estados Unidos: "A ajuda venezuelana é indispensável para evitar que a economia cubana entre em colapso".

Acrescenta: "Ter um governo em Caracas que mantenha tal ajuda é um objetivo vital do Estado cubano".

Eis então o ponto que transforma em "pensável" a proposta de Castañeda: se a comunidade latino-americana conseguir convencer Cuba de que um novo governo em Caracas manterá ao menos em parte os favores a Havana, talvez Cuba colabore para a mudança de regime na Venezuela.

Até porque, o colapso econômico já está afetando seriamente essa ajuda. Carmelo Mesa Largo, cubano radicado nos Estados Unidos (Universidade de Pittsburgh) e que estuda seu país há 55 anos, calculou para a Folha que os 105 mil barris/dia originalmente acertados entre Cuba e Hugo Chávez reduziram-se, agora, a pouco mais da metade (55 mil), justamente pela crise na Venezuela.

Mesmo assim, Mesa Largo duvida que Cuba se disponha a entrar no jogo proposto por Castañeda. Lembra que, quando Barack Obama iniciou o processo de degelo nas relações com a ilha, esperava-se que Raúl Castro ao menos suavizasse a retórica anti-americana e arrastasse com ele países afins, como Nicarágua, Equador e Bolívia.

Não foi o que aconteceu. Ao contrário: Raúl deixou claro que Cuba "não se venderia por um prato de lentilhas", lembra Mesa Largo.

Em todo o caso, como o "prato de lentilhas" está minguando e Raúl Castro deixa a Presidência em abril, abre-se um período de incertezas. "Paira um grande ponto de interrogação sobre o que fará Miguel Díaz Canel [sempre apontado como o sucessor]", diz Mesa Largo.

Há um outro obstáculo para pôr em prática a proposta de Castañeda: que país latino-americano poderia fazer a ponte com Cuba? Mesa Largo só vê duas possibilidades: México, de tradicionais boas relações com a ilha, e Colômbia, já que seu presidente Juan Manuel Santos e Raúl Castro construíram uma boa relação durante as negociações de paz entre o governo colombiano e as Farc - negociações ocorridas exatamente em Havana.

Se o regime cubano patrocinou uma bem sucedida negociação entre um governo conservador e uma guerrilha de origem marxista, em tese poderia desempenhar idêntico papel entre um governo que se diz socialista mas é apenas fracassado e os países da região.

O que, na teoria ao menos, torna menos impensável o "impensável" de Castañeda.

Até porque, como já se viu, o que é "pensável" não funciona e a Venezuela derrete irremediavelmente.

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