Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Cony ou o prazer de conviver, pena que pouco, com um grande ídolo

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Só hoje, passado o choque, consigo escrever sobre Carlos Heitor Cony. Não que fôssemos próximos, não. O choque com a sua morte adveio do fato de que nunca consegui me convencer de que era companheiro (primeiro, de uma coluna de cada qual na página 2 desta Folha; depois no Conselho Editorial do jornal).

Cony não podia ser meu companheiro porque era um ídolo. Estava, portanto, em outro patamar, junto, por exemplo, com Janio de Freitas.

Memória
Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio

Nunca esqueci um dia de 1964 em que entrei na Redação do extinto "Correio da Manhã" no Rio de Janeiro. Foca de tudo, ainda na faculdade de jornalismo, trabalhava na sucursal de São Paulo desse que foi um dos grandes veículos brasileiros, até ser sufocado pela ditadura.

Cobri a parte de São Paulo da visita ao Brasil do general Charles de Gaulle e recebi ordens de levar pessoalmente o material ao Rio de Janeiro para ajudar a editá-lo na sede central.

Foi como entrar no panteão do jornalismo da época. Nem vi Cony nem Janio (aliás, já não tenho certeza de que Janio ainda estivesse no Correio na ocasião. Nem importa, aliás. Era um desses monstros sagrados que ficam no ambiente, até quando já não estão mais).

O fato de, por algumas horas, sentir-me parte de uma equipe tão formidável me fez idolatrá-los desde então.

Idolatria que se acentuou quando ele passou a dar aulas de escrita em sua coluna na página 2 desta Folha. Sei que ele escreveu livros notáveis antes disso, mas livros são livros, jornalismo é outra coisa porque, para ser sério, tem que ter pelo menos um alto grau de parentesco com a realidade.

Nosso contato era esporádico, separados pela distância. Mas tive a sorte e o prazer de conviver um mês inteiro com ele (e, de novo, com Janio de Freitas) na cobertura da Copa do Mundo de 1998, para a qual a Folha deslocou quase toda a sua equipe de colunistas.

O humor que Cony destilava nas suas colunas era ainda maior nas conversas à mesa do café da manhã ou do almoço ou do jantar. Cony era também teimoso: em um dado almoço, avisei que iria a Amsterdã para acompanhar de lá a semifinal entre Holanda e Brasil, para uma matéria do tipo "dormindo com o inimigo".

Janio sugeriu que eu fosse a um restaurante cujo nome já esqueci, no qual, segundo ele, se comia a melhor pizza do mundo. Cony reagiu enfurecido. Dizia que não pode haver pizza melhor do que a que se come na Itália.

Apostaram algo e me fizeram de árbitro. Não tive tempo, no entanto, de ir ao tal restaurante, mas tenho certeza de que ou daria a vitória ao Cony ou ele não mudaria de opinião.

Foi um mês em que me senti próximo de um ídolo de tanto tempo. Mas não me senti companheiro dele. Sua altura como escritor é inalcançável.

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