Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Oprah e Huck, tudo a ver

Crédito: Paul Drinkwater/Associated Press
A empresária e apresentadora de TV Oprah Winfrey recebe prêmio no Globo de Ouro, no domingo (7)

Para quem gosta de coincidências como supostos sinais do além ou do destino, foi um prato cheio: no mesmo domingo (7), Luciano Huck no Brasil e Oprah Winfrey nos Estados Unidos fizeram aparições públicas "trending topics" que, naturalmente, serviram de combustível para a especulação de que podem ser candidatos à Presidência, cá e lá.

Bons candidatos? Minha opinião é rigorosamente a mesma de David Leonhardt, editor da "newsletter" de Opinião do "New York Times", a saber: "Não acho que a situação ideal para os Estados Unidos seja uma sucessão de presidentes cuja qualificação inicial seja a celebridade".

Vale para Oprah, vale para Huck, mesmo que, no caso deste, não haveria uma sucessão de presidentes célebres, até porque Michel Temer é o completo avesso de celebridade.

Como não tenho, ainda, como julgar se Oprah e Huck têm qualificações que vão além dessa característica inicial de celebridades que devem fama e fortuna à TV, o mais sensato é pular para a identificação do contexto em que nascem ambas as possibilidades de candidatura.

Contexto que foi bem resumido também no "Times" por Thomas Chatterton Williams, negro, especialista em identidade racial e que confessa não ser imune ao "charme de Oprah", mas desaconselha sua candidatura. "[A possível candidatura] sublinha a extensão com que o 'trumpismo' —reverenciar a celebridade e os índices de audiência, o repúdio à experiência e à expertise— infectou nossa vida cívica."

O efeito Trump, aliás, está presente em 11 de cada 10 análises sobre a eventual candidatura da estrela da TV americana. No "Le Monde", William Galston (Brookings Institution) diz que "Donald Trump produziu a prova do efeito letal da notoriedade".

Meu palpite: Trump, na verdade, é mais consequência do desgaste do mundo político convencional, um fenômeno que está atingindo o paroxismo em todo o planeta. É natural, embora lamentável, que se beneficie desse desgaste quem tem notoriedade, passo preliminar para angariar votos.

Essa constatação serve para Huck. Afinal, uma pesquisa divulgada no fim do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial mostrou que os políticos brasileiros são considerados os menos confiáveis do mundo -pelo menos entre os países em que se fez a pesquisa.

No caso de Oprah, à notoriedade soma-se o messianismo apontado pelo colunista Ross Douthat no "Times" desta quarta-feira (10): "Ela é uma pregadora, uma guru espiritual, uma apóstola e uma profeta. De fato, se há uma religião especificamente americana, [...] Oprah fez dela própria o seu papa" [papisa, no caso].

Sem tanta carga messiânica, Huck não deixa de ser uma espécie de profeta da autoajuda, da realização pessoal por meio da fé em si mesmo.

Como sou fortemente refratário a qualquer tipo de messianismo, prefiro o perfil de candidato desenhado pelo já citado Thomas Chatterton Williams: "O político pós-Trump ideal será, no mínimo, uma figura profundamente séria com uma ampla folha de serviço público por trás".

No pós-Temer, então, esse perfil é ainda mais necessário.

Mas será que existe?

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