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clóvis rossi

 

06/01/2011 - 12h40

Porta-vozes que não portam a voz

Eu, se fosse a Helena Chagas, a competente jornalista que acaba de assumir a Comunicação Social da presidente Dilma Rousseff, chamaria para uma boa conversa informal Robert Gibbs, que está fazendo percurso oposto no governo Barack Obama: deixa o posto de porta-voz para assumir o de "assessor externo", que, na prática, vem a ser o de precursor de comunicação para a campanha de reeleição de Obama.

Explico melhor: nenhum presidente brasileiro, de todos os que me tocou acompanhar em viagens internacionais, teve um porta-voz que de fato portasse a sua voz. E olha que o primeiro que acompanhei chamava-se Ernesto Geisel, no já remoto ano de 1976.

É uma lacuna grave, pela simples e boa razão de que presidente não pode ficar de cinco em cinco minutos atendendo demandas de jornalistas. E demandas são inevitáveis porque os fatos acontecem, esteja o presidente viajando ou não.

Houve até um momento em que achei que a lacuna seria preenchida, no governo Fernando Henrique Cardoso. Em viagem à Rússia, às vésperas da posse, FHC chamou para almoçar o pequeno grupo de jornalistas que cobria sua excursão. Fomos, por sugestão de William Waack, hoje o âncora do "Jornal da Globo", ao restaurante do Hotel Metrópole, que Lênin frequentava.

FHC jurou por Deus que teria uma porta-voz que:

1 - Estaria perfeitamente informado de tudo o que ocorria no governo.

2 - Não mentiria. Poderia dizer que não sabia ou não estava autorizado a revelar algo, mas jamais desviaria o repórter de uma pista que fosse correta.

3 - O próprio FHC daria entrevistas coletivas a cada tanto, organizadas, não o que batizei de "cenas de jornalismo explícito", que é aquela montoeira de repórteres empunhando microfones e gravadores junto à boca do presidente, quando não diretamente no céu da boca da vítima.

Preciso dizer que nada disso aconteceu de fato?

Uma vez, já no governo Lula, escrevi um texto para a "Folha"-papel para contar que sabia mais sobre o que fazia no Iraque o vice-presidente Joe Biden, a milhares de quilômetros de distância, do que o que fazia, no "bunker" ao lado, o presidente Lula, que então participava em uma reunião do G8+5 em L'Aquila, na Itália.

É que eu estou no "mailing list" da Casa Branca e recebo uma enxurrada de informações sobre todas as atividades de seus ocupantes. É óbvio que segredos eles não contam, mas eu não sou ingênuo a ponto de esperar segredos. Espero apenas o que é dever do funcionário público: prestação de contas de suas atividades, por meio da mídia.

Uma banalidade que, não obstante, o governo brasileiro, qualquer que seja o presidente, ainda não aprendeu a pôr em prática.

Dou um exemplo concreto sobre Gibbs: nessa mesma reunião do G8+5, houve logo cedo, em dado dia, um encontro entre Obama e Lula. Quando cheguei ao centro de imprensa, ao lado do local onde se reuniam os governantes, mas isolados dos jornalistas (e do público mais ainda, claro), Gibbs caminhava rumo ao "bunker".

Aproximei-me, me apresentei e perguntei sobre o encontro Obama/Lula. Ele me contou toda a conversa. Ou tudo o que não fosse secreto (nem creio que, naquela ocasião, houvesse de fato algo a esconder).

Inclusive me pôs na pista Irã, ao dizer que Obama pedira a Lula que usasse o peso do relacionamento Brasil/Irã para tentar persuadir o presidente Ahmadinejad a não correr atrás da bomba atômica. O lado brasileiro confirmou depois o teor da conversa, até porque eu deixei claro que sabia o suficiente para que não tentassem me enganar, pelo menos não muito.

As informações de Gibbs naquele dia foram essenciais para acompanhar depois todo o contexto das conversas Brasil/Irã e das reações norte-americanas.

É esse papel que eu gostaria de ver desempenhado por um porta-voz do governo brasileiro, seja Helena Chagas, seja quem ela e Dilma designarem para viagens internacionais, que é o território em que atuo preferencialmente.

Não é para meu benefício, não. Meu salário não aumenta se houver porta-voz nem diminui se não houver. Informação, eu sempre dou um jeito de obter ou não estaria na profissão há 48 anos sem um segundo no desemprego.

É para benefício do próprio governo que correria menos risco de que, no vazio gerado pela falta de informações, proliferem os rumores, os boatos ou até invenções.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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