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clóvis rossi

 

20/01/2011 - 13h20

Tunísia, esquina Paris

Nascido para a profissão sob o peso de uma frase de que discordo ("é mais importante um gato que morra na esquina de minha casa do que 100 indianos que morram na Índia"), não deixa de ser um choque perceber que a Tunísia faz esquina com Paris.

Traduzindo: a mídia francesa está tratando a crise na Tunísia como assunto praticamente local. O "Monde" dedica uma manchete atrás da outra ao assunto.

Fácil de explicar: a Tunísia (e mais amplamente o Maghreb) fica mesmo na esquina de Paris, se se levar em conta a população de origem tunisiana, argelina e marroquina que vive nos "banlieu", os problemáticos subúrbios parisienses.

Para que você não precisa consultar o Google, Maghreb (lugar onde o sol se põe, em árabe) é uma região do Norte da África que engloba cinco países embora os franceses os reduzam a três (justamente Tunísia, Argélia e Marrocos, que formariam o Maghreb francês). Líbia e Mauritânia completam os cinco.

Há um punhado de razões para que a mídia francesa e também a europeia trate a crise maghrebiana como relevante para a política interna. Destaco os seguintes:

1 - A revolta na Tunísia expõe o fracasso da política europeia (e norte-americana) de tolerar e acarinhar ditaduras na região (e no resto dos países árabes), desde que elas esmaguem os movimentos islamistas.

Escreve, por exemplo, Akram Belkaid para "Le Quotidien d'Oran" (Argélia): "Os movimentos religiosos, mesmo enfraquecidos por longos anos de repressão, podem se organizar muito rapidamente e retomar a iniciativa. Já o campo democrático, ao contrário, é fragmentado, quando não é pura e simplesmente cliente do poder".

O caso da Tunísia é exemplar: a oposição consentida pelo regime é irrelevante. Resta em campo o partido da ditadura e o movimento popular sem líderes e sem representação partidária.

Como a política odeia o vazio, ele acabará preenchido de alguma forma, mas a tendência é para a instabilidade. Instabilidade tende a significar aumento da emigração, no exato momento em que tendências xenófobas estão em alta na Europa toda.

2 - Há uma razoável similitude entre os jovens dos "banlieu" e os jovens dos países árabes que protestam contra o regime.

Aqui na França, a primeira geração de migrantes dos países do Maghreb aceitou sacrifícios a partir da evidência de que, mesmo marginalizados, viviam melhor do que no país de origem e ainda tinham um horizonte mais amplo à frente, para não mencionar que, se é para viver mal, é melhor fazê-lo em democracia do que numa ditadura.

Já os filhos e netos dos migrantes, nascidos num país rico, mesmo que nas beiradas do sistema, querem tudo a que têm direito os filhos da terra.

Mas purgam desemprego mais elevado e, por extensão, condições de vida mais duras. De certa forma, se reproduz nos subúrbios o padrão maghrebiano: o desemprego entre jovens de 15 a 29 anos duplica, pouco mais ou menos, a média nacional de desemprego. Na Tunísia, com 14,2% de desemprego, a taxa entre os jovens pula para 31,2%; na Argélia, é de 21,5% para uma média nacional de 11,3%; no Marrocos, 17,6% e 9,6% respectivamente.

A reação dos jovens nos subúrbios, até agora, tem sido a de tocar fogo em automóveis, enquanto seus colegas no Maghreb se imolam eles próprios.

Se a moda se estender a Paris, o impacto será tremendo.

3 - O bom desempenho econômico dos países do Maghreb nos últimos anos e uma situação social menos desastrosa do que em boa parte do mundo árabe não bastaram para conter a revolta.

Embora bastante mais pobres, a Tunísia e a Argélia não ficam longe do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano elaborado pela ONU. O Brasil é o 75º, a Tunísia é a 81ª e, a Argélia, a 84ª. Só o Marrocos está bem mais atrás (114º).

Se ditaduras não conseguem uma certa legitimação pela via do progresso econômico, de resto louvado pelo Ocidente, a tentação de escolher a via do islamismo radical pode ser poderosa. Não dá para esquecer que, na Argélia, um ensaio democrático foi abortado, nos anos 90, pela vitória da FIS (Frente Islâmica de Salvação), que resultou no cancelamento do segundo turno e, em seguida, uma guerra civil.

Tudo somado, não são cenários exatamente desejáveis para acontecerem na sua esquina, não é?

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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