Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

clóvis rossi

 

23/05/2011 - 17h11

A política vive uma baita crise

Os ativistas que, também em Lisboa, ocupam (desde sexta-feira) o Rossio, o marco zero da cidade, anunciam em manifesto a sua principal intenção: "Esta democracia não basta, é preciso reinventar a política".

No essencial, é o mesmo que se está dizendo em Madri em manifestações que conseguiram finalmente uma brecha na agenda midiática brasileira, mais pela beleza das imagens proporcionadas pela massa acampada do que por uma genuína tentativa de entender o que está acontecendo. Tanto que, no noticiário das TVs, apresenta-se o movimento de Madri como um protesto contra as medidas de austeridade que o governo está adotando (como, de resto, em toda Europa).

É isso, mas é muito mais que isso. Como diz o manifesto de Lisboa, a alma do movimento é "reinventar a política", proposta recuperada em termos irônico-anarquistas por um dos incontáveis cartazes da Puerta del Sol, o epicentro dos protestos em Madrid: "Se votar fosse útil, estaria proibido".

Acho que levaremos algum tempo até entender esses movimentos espontâneos. Por isso, temo antecipar avaliações, mas sinto-me compelido a dizer que o mundo está vivendo uma crise talvez inédita não necessariamente da política mas dos partidos políticos tradicionais.

Vou me deter mais na Europa e em resultados recentíssimos mas acho que vale lembrar que, nos Estados Unidos, surgiu o movimento ultra-conservador chamado "Tea Party", para espicaçar os republicanos, julgados insuficientemente conservadores. Descendo um pouco mais, as eleições do dia 5 no Peru serão decididas entre personalidades --Ollanta Humala e Keiko Fujimori-- cujos partidos são irrelevantes, se é que algum leitor sabe o nome deles.

Passemos então a resultados eleitorais que revelam a crise dos partidos. E olhe que vou limitar aos de domingo, na Espanha e na Alemanha, para não cansar o leitor.

Na Espanha, o que aconteceu domingo foi uma catástrofe para o Partido Socialista Operário Espanhol, no governo desde 2004, e punido por presidir um país com desemprego de mais de 20%, uma obscenidade.

Mas a derrota do PSOE não significou um avanço significativo de seu eterno adversário, o conservador PP (Partido Popular). Nas eleições municipais anteriores (2007), o PP obtivera 36% dos votos. Agora, subiu pouco, para 37,53%. Tampouco a esquerda, representada pela IU (Izquierda Unida) se beneficiou da perda de 7,5 pontos percentuais do PSOE: subiu de 5,54% para apenas 6,31%.

Na Alemanha, houve eleição no "land" (Estado) de Bremen, na verdade uma cidade-Estado. Os dois partidos que, coligados, governam o país perderam votos. A Democracia Cristã, da chanceler Angela Merkel, perdeu 5,4 pontos percentuais, ao passo que seus parceiros liberais nem sequer conseguiram vaga no Parlamento estadual: ficaram abaixo da cláusula de barreira (de 5%), com seus magros 2,7%, menos da metade dos 6% obtidos no pleito anterior (2007).

Quem ganhou mesmo foram os Verdes que cada vez mais se inserem no establishment mas ainda não são plenamente parte dele. Subiram seis pontos, chegaram a respeitáveis 22,8% e continuarão a cogovernar com a Social Democracia, a força mais votada.

A votação em Bremen foi a quinta das sete eleições regionais a se realizarem este ano. Balanço até agora, segundo o jornal "El País": "Espetacular avanço nacional dos Verdes, descontentamento com o governo, declínio liberal, estancamento da Democracia Cristã e da Social Democracia".

Os dois últimos são os partidos que dominam a política alemã desde o fim da guerra, há quase 70 anos. O normal seria que o avanço de um correspondesse ao retrocesso do outro. Quando ambos brecam simultaneamente, alguma coisa está acontecendo, como na Espanha.

O que, exatamente, eu não sei. Talvez seja apenas fogo de palha, embora o movimento espanhol tenha decidido estender por pelo menos mais uma semana o acampamento de Puerta del Sol e manifeste o desejo de se transformar em um movimento político. Mas não em partido.

"Os partidos não são a única forma de participar na política", afirmou um de seus porta-vozes a "El País".

À falta de respostas definitivas para o enigma desses movimentos, fico com uma citação de John Kenneth Galbraith feita em sua coluna de ontem por Joaquín Estefanía, um dos melhores analistas espanhóis.

Reproduzo: "Diz Galbraith que os satisfeitos das sociedades operam sob a convincente cobertura da democracia, ainda que de uma democracia que não é de todos os cidadãos mas apenas daqueles que comparecem às urnas. O resultado são governos que se ajustam não à realidade ou à necessidade comum, mas às crenças dos satisfeitos, que constituem a maioria dos que votam. Essa maioria silenciosa atua ao cômodo abrigo da democracia, uma democracia da qual não participam os menos afortunados".

Ouso acrescentar à análise de dois mestres um palpite: não é uma maioria, é uma minoria.

É só ficar com os números de domingo na Espanha: o PP virou partido majoritário, com apenas 37,53% dos votos, que, na verdade, são menos ainda, se se considerar a abstenção (33,77%). Portanto, representa apenas 25%, pouco mais ou menos, do total de 35 milhões de eleitores (37% dos 66% que votaram).

Dá ou não sentido ao grito de "Democracia Real Já", o nome oficial do movimento de protesto?

Em tempo: no Brasil, é algo melhor, mas nem tanto. Dilma Rousseff elegeu-se com 55,7 milhões de votos em 135,8 milhões possíveis, o que dá 41%.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página