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danuza leão

 

10/03/2013 - 03h00

Triste país

Lembro bem; era um domingo de sol em outubro ou novembro de 1955, e acordei com o rádio noticiando que o hotel Vogue estava pegando fogo.
O Vogue era na Princesa Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade.

Era lá que se encontravam os políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar, coquetel, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja.

Só saiamos de lá com o sol raiando, e vivíamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes, todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve.

No dia do incêndio a cidade inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12).

Como num incêndio não se pode usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos em seus quartos esperando por um milagre, o que não aconteceu. Chegaram os bombeiros, mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar.

Ele pegou os lençóis, amarrou um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro --conta a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola na gravata-- e desceu pelos lençóis até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros.

Foi o único que se salvou (e quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde tomou uma garrafa de uísque inteira).

Os recém casados Glorinha e Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro; quem viu nunca esqueceu.

Promessas foram feitas pelo chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição, nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a história se repetiu.

Um prédio no Leblon pegou fogo --e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas quatro andares. Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu-- ela com 33 anos, ele com 57; eles pareciam muito felizes.

A assessoria do Corpo de Bombeiros declarou que no Rio existem apenas três unidades que têm plataformas e escadas; escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água, claro.

Dizer o quê? Que o Brasil continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os serviço mais elementares, que os bueiros explodem, as escadas dos bombeiros são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil --o Rio, sobretudo-- está bombando?

O governador declarou que o socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador mais sérios, que cuidassem mais da nossa cidade e de seus habitantes.

Aliás, não me consta que o prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de todos os limites; ele acha que é legal uma cidade animada.

Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua inutilidade.

E aproveitando o embalo, fecha-se Brasília.

danuza leão

Danuza Leão, jornalista e escritora, aborda temas ligados às relações entre pais e filhos, homens e mulheres, crianças, adolescentes, além de outros assuntos do dia-a-dia. Publicou seu primeiro livro em 1992. Escreve aos domingos na versão impressa do caderno "Cotidiano".

 

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