Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Vamos tirar um post

Nunca fotografei meus pequenos chorando. Achava desleal. Ficaria impresso pra sempre que preferi apertar o botão do obturador a acudir suas lágrimas. Entretanto, em uma das fotos mais bonitas da minha infância estou em franca choradeira. E nunca reprovei meu tio Irapoan por isso. Ao contrário, imagino toda a cena: o rei do amor contendo o mulherio desesperado com o meu berreiro.

- Deixa, deixa! Só um pouquinho...

Ele já via, como vejo hoje, a grande beleza. Nada demais registrar num clique um dos muitos beicinhos de uma criança, para que ela, adulta, sorria ternamente ao se perceber passando pelas fases desta vida. Eu devia ter tirado.

Meu tio nunca aparecia nas fotos. Mas está em cada uma delas. Era o fotógrafo oficial da família e podíamos ver, por meio de seus cliques, o quanto ele nos amava.

Crédito: Ilustração Zé Vicente

No outro dia, na porta do teatro, fiquei confusa com o pedido de um rapaz:

- Vamos tirar um face?

Não sabia se a foto que ele queria, por um novo aplicativo qualquer, já entraria direto no Facebook, nos colocando numa espécie de "ao vivo". Fiquei aflita. Ele corrigiu:

- Face não! Selfie! Tanto nome pra decorar!

O moço se posicionou naquele ombro a ombro, quase rostinho colado, que as selfies exigem, e eu involuntariamente saí gargalhando na foto ao pensar que a selfie poderia mesmo se chamar face, na medida que dificilmente enquadra outra parte do corpo.

Tenho um pouco de aflição das tais. Revelam o ser oculto a ser imaginado por detrás de cada foto. Quando penso no meu tio fotógrafo, cresce a minha esperança de ter meu olhar reconhecido nas fotos de minha própria família em que pouco apareço.

Amo fotografar. E ver as fotos depois. Uma foto sempre me movimentou para além dos limites do seu enquadramento. O que aconteceu antes, o que falávamos e a possibilidade de ver de novo o que eu quis ver naquela hora. Pura condensação da memória.

Uma foto minha em que o clique é meu me parece perder amplitude e mistério. Não é foto. É espelho. Mas, no mundo das postagens e biografias virtuais, quem vai arriscar ficar oculto? Então não é face, nem selfie. É post.

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