Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Leveza muda

O casal sentado no restaurante não trocava uma palavra. Era um casal de meia idade e eu comecei a me distrair da conversa de nossa mesa procurando mais indícios para formar aquela história. Pareciam brigados, mal se olhavam. Tomaram seu vinho em silêncio, jantaram em silêncio, mas quando estavam na sobremesa, ele disse alguma coisa que a fez cair numa deliciosa gargalhada. Uma gargalhada íntima e real que mudou completamente o clima da mesa. Inauguraram ali um novo par. Seguiram em papo solto, duas novas pessoas, até deixarem o restaurante.

Que silêncio era aquele? O que poderia ter ele falado de tão transformador? Talvez nada de anormal. Talvez fossem simplesmente um casal com anos de intimidade cúmplice para o qual o silêncio não é mais um peso.

Crédito: Ilustração Zé Vicente #ARSAO0811 DENISE

Me lembrei de um amigo que nos contou que achava que seu namoro estava dando certo porque já conseguiam ficar mudos um do lado do outro por tempos consideráveis. Sustentar o silêncio pode ser mesmo uma grande medida de intimidade.

Certa vez, eu e meu marido tivemos uma conversa curiosa. Falei alguma coisa no carro, um comentário qualquer. Ele não respondeu e eu segui olhando distraída pela janela. Passou um tempo e ele falou:

—É.

—É o quê? —eu perguntei.

—Desculpe. O que é que você falou?

—Não sei. Só sei que você falou "é".

Rimos. Mas a conversa de doido indicava que já éramos um casal flertando com o conforto do silêncio.

Não é privilégio dos casais. A capacidade de silenciar acompanhado acaba dizendo muito sobre qualquer relação. E há pessoas que lidam melhor com o silêncio do que outras. Confesso que tenho grande dificuldade com ele e às vezes tenho de me controlar para não maculá-lo com um comentário banal, só por não conseguir suportá-lo. Não é fácil segurar o silêncio. É perigoso, incerto. Nos faz mergulhar na incerteza do outro. É provável que eu faça parte do grupo de pessoas que costumam ouvi-lo, e ouvir o silêncio pode ser ensurdecedor. Mas vale o exercício. Como na música e no teatro, precisamos saber sustentar uma pausa para revelar ou sublinhar um som. É bonito perceber o silêncio ao lado de alguém e deixá-lo instalar-se, carregá-lo com força até que perca seu peso para então vê-lo evaporar-se numa neblina de puro estado cúmplice de intimidade.

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