Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Não há palavras para o indizível

Amo as palavras. Criança, já as amava. Acho bonito, curioso até, como um agrupamento de letras pode guardar em si tanta coisa. Dependendo de como se organizam, do lugar que ocupam nas linhas, são quase pérolas de prazer, pequenos holofotes de ideias. Desde que comecei a escrever, experimento uma delícia que não conhecia: a felicidade de conseguir, de vez em quando, encontrar a palavra certa para um pensamento, um sentimento ou sensação. É uma raridade. Na maioria das vezes, a angústia do garimpo é muito maior. Mas essa caça ao tesouro, a busca pelas letras que façam jus à voz que nos fala dentro, é a grande força que nos mantém aqui, de olhos na tela, no eterno vai e vem deste quebra-cabeças sonoro, hipnótico frisson para quem escreve.

Quando vence o prazo, entrega-se o que foi possível. O movimento interior se rende, sempre perdendo para o teclado. Despeço-me angustiada de meu alinhavo de frases, lançando meu frustrado bordado à benevolência do leitor. Quem sabe se não chegamos juntos ao significado da coisa?

Mas há dias que é melhor não arriscar, porque simplesmente nenhuma palavra de nenhuma língua dará conta de guardar em si o que se represa dentro. Não há nem por onde começar. As palavras também são traiçoeiras. Se expressam, condensam, apreendem e significam, também minimizam, reduzem, frustram e ferem.

A vida nos golpeia com acontecimentos que nos fazem perder o amor pelas palavras. Não são mais nossas amigas, não se apresentam como devem, não bastam, não traduzem, não nos nutrem mais. Em vez de dar sentido, sugam-no. Desbotam o sentimento antes da última letra sem dar conta do tamanho da dor. Viram arremedos, pequenos totens inúteis que aprisionam o impossível de ser aprisionado, congelam o que não para de ferver.

Portanto, perdoem-me. Hoje não vou arriscar. Lanço aqui este alinhavo para dizer que hoje não tenho palavras para o indizível.

Crédito: Shutterstock

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