Estive na casa dela. Era verdade. Havia papéis colados por toda parte. Da cabeceira da cama ao espelho do banheiro, da tela do computador à coifa da cozinha, transitava-se por um mosaico de termos jurídicos, leis, cláusulas e verbetes que precisavam entrar na sua cabeça. Depois de ser demitida, minha prima despediu a empregada, fez um trato com o marido para que ele arcasse com as despesas da casa e mergulhou alucinada estudando para prestar um concurso público. Faz cursinhos pela internet, frita bifes enumerando leis e lava a roupa da família sem tirar os olhos dos tais papeizinhos. Não vai aos aniversários e quase não sai de casa afogada em um mar de apostilas e post-its. Não tem tido muito resultado: em mais de dois anos dedicados às leis, o máximo que ela conseguiu foi acumular esperança em listas de espera. Virou uma fera nas leis, é craque no assunto a ponto de responder a consultas da família como se fosse uma advogada, faculdade que nunca fez. Mas, a cada novo concurso, só uma nova lista de espera.
Minha prima não procura um novo emprego com medo de ser mandada embora de novo e não consegue parar de estudar e tem pena de jogar fora todo o seu esforço ainda dando metade do seu possível novo salário para alguém fazer o que ela faz mergulhada em seus papeizinhos.
No último domingo, foi seu aniversário. Já tinha tomado umas cervejinhas quando atendeu a meu telefonema. Chorava no telefone. Tinha ido às urnas como todos nós, mas anulado seu voto com raiva.
— Por que eu tenho que provar tanto conhecimento e capacidade para conseguir uma merreca de um empreguinho público e sou obrigada a votar em gente que não tem um mínimo de preparo para o cargo que vai ocupar?!
Apesar da mágoa, da cerveja e de saber que minha prima quer prestar seu concurso muito mais pela estabilidade do serviço público do que por vontade de servir à comunidade, seu desabafo ficou ecoando em meu ouvido. Fiquei pensando no que é ter preparo. Talvez, para entrar na política, o cidadão devesse ter no mínimo uma faculdade. Talvez, porque não podemos negar que existem por aí casos de lideranças natas, pessoas que de tanto se comprometer com o coletivo, lutar nobremente por suas comunidades, acabaram se tornando seus melhores representantes, muitas vezes, sem sequer ter cursado o fundamental. O que nos garantiria candidato razoáveis? Seria o caso destes senhores, com ou sem faculdades, pregarem papeizinhos nas paredes de suas casas para estudar os nossos interesses e prestar um concurso para candidato? Seria uma peneira mínima? Ou seria a própria eleição o concurso em que nós somos os juízes? Estamos, por nossa vez, preparados como juízes?
Sinto uma grande tristeza ao ver o enorme percentual de abstenções e votos nulos no primeiro turno desta eleição. O que fazer com esta falta de fé em quem pode nos representar? Como mudamos as leis para os que fazem as leis? A quem recorremos? Será o caso de perguntar para minha prima?
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