Érica Fraga

Repórter especial, ganhou o prêmio Esso em 2013. É mestre em política econômica internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra).

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Érica Fraga

Diálogo 'maluquinho' cura birra infantil, mas haja tempo e paciência

Crédito: Eduardo Anizelli - 15.nov.17/Folhapress CAPIVARI DO SUL, RS, BRASIL, 15-11-2017, 14h00: Criancas brincam em Quilombo, na cidade de Capivari do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul e o sexto estado do pais com mais Quilombos. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) EXCLUSIVO***
Criancas em Capivari do Sul (RS)

Como explicar para seus editores que, após a pausa programada para lazer com sua família, você agora precisa de (outras) férias? Foi essa a pergunta que me fiz quando tentei dizer algo para meu marido no domingo (21) e minha voz não saiu.

A rouquidão repentina não era fruto de resfriado. Minhas cordas vocais apenas não aguentavam mais trabalhar depois de algumas dezenas de dias repetindo, sem parar, frases como: "Meninos, venham escovar os dentes"; "filho, por favor, largue o celular"; "não pule daí; você vai se arrebentar"; "vocês invadiram de novo aquela casa vazia?"; "já avisei que é perigoso correr na beira da piscina"; "canetinha sem tampa estraga", "massinha de volta ao pote, por favor"; "mosquito vai fazer caquinha na sua comida, vem almoçar", "vocês arrancaram o lençol da minha cama de novo?".

O cansaço da voz foi exacerbado por inúmeras conversas e contações de histórias mirabolantes que surgiram como antídoto contra manhas e birras.

Lancei mão desse recurso quando, no meio de uma caminhada com nossos familiares, não aguentava mais um dos meus filhotes —um pequeno ser humano adorável e irritadiço— resmungando e choramingando sem parar, insistindo em que não deveríamos obrigá-lo a fazer aquele passeio e que queria voltar para casa.

"Filho, olha que linda essa conchinha de borboleta. Será que é uma borboleta-concha ou uma concha-borboleta?"

O chororô cessou de uma só vez. A concha naquele formato não era novidade para ele, mas a pergunta inusitada o interessou. Ele sorriu. Explicou que não era uma coisa nem outra. E seguimos o diálogo maluquinho até chegarmos ao trecho de encontro do rio com o mar, nosso destino. Ele se divertiu com os irmãos e com os pequenos siris que afundavam rapidamente em seus buracos.

Na volta, viemos recolhendo gravetos e conversando sobre um carrinho que ele encontrou caído na praia e não o deixei levar. A brincadeira era imaginar como se sentiria o dono se voltasse para buscá-lo e não o encontrasse. Seria um menino ou menina, teria irmãos?

Duas horas de algumas gargalhadas e sem birra. Ufa.

Essa solução não tem nada de mágica. De tão simples e com efeitos tão previsíveis, talvez nem pareça digna de menção.

Foi o que pensei, aliás, quando, há nove anos, grávida pela primeira vez, li o livro "Os Segredos de uma Encantadora de Bebês", da enfermeira britânica Tracy Hogg, em coautoria com a jornalista Melinda Blau.

Logo na introdução, Tracy conta que, quando era pequena, a avó materna tinha o poder de fazê-la parar de reclamar em situações como filas e caminhadas longas puxando assuntos como: "Aonde você acha que eles [pessoas estranhas que ela apontava a esmo na rua] estão indo?". Ou: "Quantas pessoas você acha que foram necessárias para que este vestido chegasse aqui?", indicando uma vitrine com roupas de noiva.

Lembro-me de ter pensado que, embora ainda não fosse mãe, poderia ter intuído aquela estratégia facilmente.

Mas os anos passaram, esqueci boa parte das dicas aos pais de primeira viagem, e a história daquela avó sempre ressurge na minha combalida memória quando percebo que estou me excedendo nas tentativas de resolver os embates na base de broncas e ladainhas.

Meu palpite é que a falta de tempo e o cansaço nos impedem de recorrer mais vezes a brincadeiras e conversas leves, fantasiosas, para convencer um pequeno a ter mais paciência com as obrigações que acham chatas (e, geralmente, são mesmo).

Dar bronca, gritar ou impor punições quando uma criança não se comporta como sugere o protocolo parece uma via mais rápida para solução de conflitos.

Algumas vezes, esses recursos pouco amigáveis são mesmo inevitáveis (porque somos humanos) e necessários (porque aprender que há limites para tudo, inclusive para a paciência dos pais, ajuda a educar).

Mas, se usados em excesso, eles provocam um estresse que pode se tornar excessivo para a criança —que tende a ficar cada vez mais irascível— e para a família como um todo.

O meu microlaboratório de experiências infantis tem me feito acreditar que a conversa leve, bem-humorada, imaginativa, costuma surtir melhores efeitos tanto no momento do embate quanto ao longo do tempo.

É um caminho que exige paciência, causa cansaço mental e que —somado às demais frases que o ato de educar nos obriga a repetir à exaustão— pode até levar à rouquidão, como ocorreu comigo nessas férias.

Mas, uma vez nesse jogo, a diversão é garantida desde que tenhamos interesse genuíno por aquilo que nossos pequenos interlocutores têm a dizer e que separemos tempo para ouvi-los.

Em 2018, tentarei me lembrar mais vezes das conchas-borboletas e dos donos de brinquedos perdidos.

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