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fabrício corsaletti

 

11/11/2012 - 03h00

Nelson Cavaquinho e a cidade de São Paulo

Morar em São Paulo dá uma saudade do Brasil.

Sinceramente não sei se a frase é minha ou não, mas gosto dela, e cai como uma luva na abertura desta crônica. Dá saudade do Brasil, do Rio de Janeiro e da Bahia --o Brasil da música brasileira "séria".

Quando eu morava no interior, ouvia Chico Buarque e Caetano Veloso diariamente em casa; na rua, era bombardeado por É o Tchan e música sertaneja dos anos 90: Leandro & Leonardo, Chitãozinho & Chororó, Zezé Di Camargo & Luciano. Eu desprezava esse "lixo sonoro" com toda a fúria da minha adolescência nerd e lamentava ter nascido numa época tão idiota.

Pra nos contrapor aos agroboys da cidade, eu e meus amigos usávamos camisetas de bandas de rock (ouvíamos muito Ramones), calça jeans rasgada (em casa, com a ajuda da minha mãe) e cabelo mais ou menos comprido.

Ilustração Guazzelli

Mas aos poucos fui ficando cansado de não entender as letras em inglês (embora eu fizesse o curso do inesquecível Teacher William) e passei a ouvir só Caetano e Chico (e Tom Jobim e
Vinicius e...), decorei as letras, comecei a ler e escrever poesia e decidi que era isso o que eu queria fazer da vida etc.

E aí vim pra São Paulo. Aí vi a realidade dos meus ídolos, embora as paisagens de suas músicas fossem fluminenses e baianas, às vezes nordestinas. E fiquei nostálgico, e a minha nostalgia me levou, nos piores momentos, a ouvir música sertaneja, aquela que eu abominava e os clássicos do gênero --Tião Carreiro & Pardinho, entre outros--, e música country --Hank Williams, basicamente. (Axé estava fora de cogitação.) Esses estilos musicais me traziam com mais facilidade o "meu mundo" do que a música urbana, intelectual, de Chico e Caetano.

Porém, depois (inclusive depois de eu ter topado com o Chico Buarque numa rua dos Jardins e apertado a mão do Caetano Veloso uma tarde na MTV, onde um amigo trabalhava) São Paulo virou São Paulo e o Rio virou o Rio (namorei uma carioca que me explicou as diferenças) --a Bahia continua um mistério. E eu já não sabia mais que tipo de música me interessava.

O fato é que há vários anos quase não ouço nada além de Bob Dylan, que, norte-americano, me parece mais paulista do que qualquer compositor brasileiro (não que seja essa a principal razão pra eu ouvi-lo tanto). Bob Dylan e, de vez em quando, o carioca Nelson Cavaquinho.

Deixo o Bob Dylan pra outro dia, mas quero dizer que existe alguma coisa decadente no Nelson Cavaquinho que tem tudo a ver com o concreto sujo da São Paulo sem dinheiro. A voz estraçalhada de bluesman sem camisa num país periférico? As letras --a maioria de Guilherme de Brito-- trágicas e desiludidas? O violão que eu imagino velho, descascado e com as cordas prestes a arrebentar? Talvez tudo isso junto.

O que sei é que os sambas de Nelson Cavaquinho são a trilha sonora perfeita pra hora de fazer a barba, cortar os pulsos e chorar --enquanto, pelo vitrô do banheiro, vemos um gato branco e magricela saltar sobre a caixa d'água do sobrado vizinho e deitar sobre ela, fechar os olhos, dormir.

fabrício corsaletti

Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, Fabrício Corsaletti é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

 

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