Fernando Canzian

Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

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Fernando Canzian

A esquerda atrasada de joelhos

Uma das contradições mais chocantes de nosso tempo poderia ser a imagem de cidadãos bem vestidos procurando comida no lixo na Venezuela, país com as maiores reservas de petróleo do mundo e vítima de blecautes constantes pela falta de geradores a diesel.

Mas fica pior. Enquanto o povo passa fome, a Venezuela mantém rigorosamente o pagamento de sua dívida externa de US$ 62 bilhões; e Nicolás Maduro reduzirá à metade as importações para preservar o que resta das reservas de U$ 12 bilhões para pagar credores. Por quê?

A Venezuela está de joelhos diante do mercado. Assim como a Grécia já ficou e onde o Brasil se posicionava antes da saída de Dilma Rousseff.

É pela via mais dolorosa que a esquerda atrasada em alguns países sofre suas decepções. Nem sua perda de credibilidade a faz ver que o mundo e o "sistema" estão capturados pela lógica do mercado.

Com sua dominação brutal, brigar contra isso tem se mostrado um desastre, e aí restaria se aliar a essas forças e tirar proveito delas. Mas a resistência de seus inimigos é de tal ordem que não procuram alternativas para fazê-lo.

Como mostra a Venezuela, a derrocada dessa esquerda atrasada vai se tornando certa. Outro exemplo é o Brasil econômico agora mais feliz mesmo sob o comando político da vanguarda do atraso, pelo simples fato de ter uma nova equipe afinada com o mercado.

Os anos Lula chegaram a dar demonstração de como a esquerda poderia se beneficiar das forças de mercado para diminuir o deficit de civilização nacional, sempre reforçado pela péssima distribuição de renda.

No período, além de várias políticas de inclusão social (cotas, Prouni, Minha Casa Minha Vida), o crescimento proporcionado pela ordem nas contas públicas e razoável transparência no chamado tripé macroeconômico (superavit para pagar a dívida pública, câmbio flutuante e meta de inflação) levou a forte aumento no emprego e na arrecadação.

Isso permitiu desdobrar rapidamente políticas sociais focalizadas nos mais pobres. O alcance do Bolsa Família, por exemplo, saltou de 3,6 milhões de famílias para 12,9 milhões, com os gastos se mantendo equivalentes a cerca de 0,5% do PIB, que cresceu no período mais que a média anterior.

O defeito é que mesmo do alto de sua popularidade recorde, a falta de uma visão mais moderna de Lula e do PT deixou de lado reformas hoje inadiáveis como a da Previdência (sobretudo do setor público) e levou ao desprezo pela criação de marcos regulatórios e regras para dar confiança ao capital e às empresas que, em última análise, pagavam pelas políticas de inclusão com seus impostos.

A falta de ideias e apetite por reformas estruturais e modernizantes deixaram de lado até as agendas mais caras à esquerda no poder e no auge, como impostos sobre fortunas e alíquotas progressivas. Predominou a visão atrasada, do Estado grande, generoso e ineficiente.

O vácuo modernizante e o desprezo pelo mercado só aumentou com Dilma, levando o país a um encolhimento inédito de sua economia em menos de dois anos.

Não tem sido fácil para a esquerda em todo o mundo assumir a derrota.

Mesmo Barack Obama se elegeu em 2008 prometendo regular pesadamente Wall Street e não o fez. Agora, pode ser sucedido por uma Hillary Clinton que monopolizou as doações de banqueiros.

Em um mundo globalizado que permite a rápida fuga e trânsito de capitais, parece até que que governos democraticamente eleitos não são mais tão soberanos para fazer o que bem entender diante da ameaça dos mercados.

O fato é que a chamada "direita liberal" encontrou o seu caminho. A esquerda, não. Nem o de copiar o que dá certo aplicando nisso um viés mais progressista.

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