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francisco daudt

 

25/12/2012 - 03h00

Domínio/submissão

Em trinta e seis anos de clínica psicanalítica, encontrei dois casos curiosos de homens com "inveja de vagina". O conceito freudiano de "inveja do pênis" despertou a fúria de gerações de feministas, mas é mal compreendido. Ele foi formulado no século 19, quando os homens podiam muito mais do que as mulheres, e urinar em pé era o ícone desse poder. Domínio era o nome da questão: eles eram preparados para dominar, e as mulheres, para serem submissas. A primeira leva de feministas deu a maior bandeira ao tentar emular os homens. A sra. Betty Friedam chegou a afirmar que, enquanto 50% dos cargos existentes não fossem ocupados por mulheres, não haveria "igualdade". Nunca se deu ao trabalho de perguntar se alguma mulher ansiava por ser soldadora em canos de esgoto submarinos.

A tal "inveja de vagina" mostrou-se um equivalente àquela do pênis: também era uma questão de poder. Esses clientes invejavam o poder de domínio que as mulheres tinham sobre os homens em geral, e sobre eles em particular, por contarem com tal aparato. Mas essa compreensão se deu quando descobri que os conceitos freudianos não podiam ser levados ao pé da letra, só por terem sido concebidos em circunstâncias comportamentais diferentes. Tomados como metáforas, eles continuam ótimos, capazes de retratar a alma humana tão bem quanto uma peça de Shakespeare. Para nós foi uma glória quando os antropólogos incluíram o complexo de Édipo entre as características universais de todas as culturas.

Outro desses conceitos que atrapalharam em muito a vida das mulheres foi o da "maturidade do orgasmo". Freud considerava que o orgasmo feminino obtido por meio do clitóris era "imaturo", pois demonstrava que a mulher ainda estava competindo com o homem, desejando ter um pênis, querendo o domínio e o controle, em vez de desfrutar de sua "feminilidade" pela entrega e submissão a seu macho. Freud desconsiderou que todo orgasmo provém, em termos fisiológicos, do clitóris, já que o pênis é um clitóris que se tornou grande por influência da testosterona que os fetos produzem durante a gestação, e que eles não têm nenhum problema em ter orgasmos por meio da masturbação.

As sutilezas dessa característica, tão inseparável que sempre a escrevo, como no título, como duas palavras "separadas-ligadas" por uma barra, me encantam. Pense no cão da minha filha. Ele deu para latir a cada vez que chega um cliente, e, no consultório, não quero essa perturbação. Levanto-me, vou à sacada que dá para o pátio onde ele fica, e, em silêncio, cravo-lhe os olhos, de cara fechada. Ele para imediatamente. Mas, afinal, quem dominou quem? Não fui obrigado a interromper a sessão (coisa que nunca faço, muito menos para atender celular, objeto que não possuo)? Então ele me dominou também.

Quem disse que as multidões comandadas pelos líderes populistas, como Hitler o foi, e outros que tantos há, são revoltadas? Elas adoram ter um grande pai, desde que ele lhes providencie uma mesada que arrancam dos pagadores de impostos, que lhes façam benesses com o "Tesouro". Nem sabem que o dinheiro é deles, em parte, pois a taxação sobre a cesta básica sai de seus parcos bolsos.

Em particular, a modalidade de domínio pela culpa me fascina. Nem estou falando das chantagens sentimentais, que são excessivamente claras. Mas pense na diretiva cristã de, se estapeado, oferecer a outra face. Que primor de construção sutil: quando o agredido oferece, como mártir, a outra face, ele torna o agressor em um crápula instantâneo. Deixa de ser um assunto a motivação do primeiro tapa (ainda que merecida). O agredido torna-se dominador, o "passive-aggressive", em inglês. Fascinante.

francisco daudt

Francisco Daudt, psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

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