É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.
Crônica de raiz
Tive um papo bom com o Fabrício Corsaletti, nosso cronista mais puro, descendente direto do Rubem Braga: "Crônica não tem nada a ver com opinião, não tem nada a ver com dados e porcentagens, não tem nada a ver com tentar convencer ninguém de nada. Quando a crônica faz isso corre o sério risco de virar um artigo" -e ele falava a palavra "artigo" como um médico fala de uma doença gravíssima. "Seu texto foi contaminado por um vírus e corre o sério risco de virar um artigo."
Se o artigo é um perigo, a assonância é uma extravagância. Isso quem me ensinou foi outro mestre, o Paulo Henriques Britto. I like Eike, dizia o slogan do Eisenhower -nada ver com o nosso Eike, que não ganha um like. No inglês, rimar é lindo, na prosa lusa não é bem-vindo. Percebe que você fala em "fim da escravidão", "época da escravidão", mas fala em "abolição da escravatura". Tudo para fugir da "abolição da escravidão".
Mas nem tudo é proibição. Opa. Foi também o Paulo Henriques Britto (oh Captain, my Captain) que ensinou: não tem nada de errado com a repetição. Tinham me ensinado na escola: se você fala do cantor Roberto Carlos, na frase seguinte tem que se referir a ele como "o Rei", e em seguida "o cantor capixaba", e em seguida "o censor de biógrafos", e em seguida "o homônimo do lateral esquerdo", e depois "o garoto-propaganda da Friboi", até que findem os epítetos (no caso do Rei, vai demorar).
Paulo Britto, de novo ele, atribui a doença do epíteto a uma herança maldita do beletrismo francês (outra proibição: usar palavras como beletrismo (não há nada mais beletrista (quanto a parênteses dentro de parênteses, nenhum problema (mas há limites)))). A crônica é filha da fala, e na fala você não se preocupa em evitar repetições: "Mãe, queria te desejar um feliz dia das progenitoras".
Raramente faço crônica -e digo isso com adoração pela palavra "crônica", como quem fala de algum doce mineiro. Queria fazer mais. Mas a crônica nem sempre aparece quando é chamada (assim como o doce mineiro, tô há horas gritando quindim e ele nada).
Difícil saber se vai ser crônica antes de escrever uma crônica. Isso daqui, por exemplo: queria que fosse uma crônica. Não é. Tá cheio de aspas, regras, argumentos e beletrismos. Virou um (argh) artigo. Desculpa, Paulo. Desculpa, Corsaletti. Devia ter escrito um esquete. Opa.
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