É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Escreve às segundas.
Tudo o que o Sol toca, Simba, tudo é passível de treta
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Semana passada, Estela, a labradora da minha mãe, teve dez filhotes. Dez. Do dia pra noite, uma dezena de criaturinhas branquelas e meladas saíram do seu ventre e, superando as previsões mais otimistas, todas seguem vivas e saudáveis e deliciosamente fofas.
Estela passa o dia lambendo a cria, e quando um bebê tá dormindo há muito tempo ela acorda o filhote preguiçoso: "Bora mamar!".
Poderia ficar horas assistindo ao espetáculo de dez filhotinhos disputando nove tetas –tem uma magricela que nunca consegue mamar, só porque é magricela, o que a torna ainda mais magricela, então é preciso volta e meia fazer uma redistribuição de tetas.
Tenho evitado a internet. Tudo vira uma discussão inócua e interminável. "Taí uma coisa unânime", pensei. "Filhotes de cachorro talvez sejam a última unanimidade que nos resta." Quem sabe conseguiria, com uma foto da prole mamando, unir o Brasil. Doce ilusão.
"Parece o governo do PT", comentou um, abaixo da foto. "Por que procriar e não adotar?", perguntou um seguidor. "São 30 milhões de animais domésticos abandonados no Brasil", dizia um ativista, emendando com a hashtag #QuemAmaCastra.
Conclusão: melhor desistir da internet. Entendo que já existam muitos cachorros, mas ainda assim continuo sem entender que tipo de criatura vê filhotes de labrador e pensa: "Eu preferia que eles não existissem".
Tentei argumentar que parir era um direito, e o sexo também, mas logo rebateram: "Não existe sexo consensual entre animais, logo lamento te informar que sua cadela foi estuprada". Meu Deus, como avisar isso pra ela?
Detesto fazer coro com os que dizem que o mundo tá chato. Mas se uma cachorra já não pode ter filhotes, e se os filhotes não podem ser comemorados, vou ter que concordar: o mundo tá meio chato.
Já que a superpopulação incomoda tanto aos ativistas, vale lembrar que no momento existe uma superpopulação muito mais perigosa pro planeta: a superpopulação humana. E já não adianta castrar humanos, porque o estrago que a gente fez tá bem adiantado. Aproveito então pra propor uma hashtag bem mais eficiente pros ativistas de timeline. Chama #QuemAmaSeMata. Afinal, sua vida tá esquentando o planeta e tornando pior a vida de muita gente ao seu redor. Você já pensou nisso?
Ah, todos os filhotes já tem casa. E a Estela vai ser castrada. Porque afinal todos concordam que dez é um bom número.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade