É arquiteto graduado pela USP.
Estética do decorado
Há exatamente um ano eu escrevi um texto aqui intitulado "Como ter uma casa cafona em cinco passos". Sua repercussão me surpreende até hoje, já que continua pelas redes sociais (mais de 45 mil compartilhamentos pelo Facebook).
Alguns leitores se revoltaram, muitos se divertiram e outros escreveram me agradecendo. A verdade é que muita gente se identificou com a ironia desses passos.
O primeiro deles dizia: "troque seu taco de madeira por porcelanato bege marmorizado". É comum ver uma caçamba lotada de taco de madeira nobre em bairros tradicionais de São Paulo, numa atitude que denuncia nossa falta de cultura e o total descaso com o meio ambiente.
Amigos e conhecidos passaram a fotografar tais caçambas e compartilhar em suas redes sociais, inserindo hashtags e o endereço desse "tesouro", contribuindo para que outras pessoas --muito mais informadas-- recolham e reutilizem essa madeira descartada.
Outro dia visitei um desses estandes de lançamento residencial com cara de qualquer coisa. Mais um desses tantos com muros altos que aprisionam e negam a cidade.
Um apartamento decorado é, a priori, projetado para vender a todo custo e deve agradar o maior número de pessoas possível. A estética impessoal, no entanto, tornou-se uma referência e um ideal a ser seguido. Você já sabe o que te espera dentro de um decorado, não?
No mínimo um piso bem brilhante, paredes revestidas com espelhos e muito, mas muito bege. E, claro, um quadro do Romero Britto pendurado na sala.
Quando ia embora de bicicleta, fui surpreendido por mais um desses carros blindados enormes buzinando irritado. Depois do susto de quase ser atropelado, percebi que o dono do carro saíra saltitante e feliz daquele lançamento, que prometia quatro vagas na garagem.
Caí na risada quando me dei conta de que a imagem que me veio à cabeça foi a de uma coluna grega, depois a de cacatuas de louça gigantes e, por último, uma sala com poltronas estofadas de Romero Britto, cortinas de Romero Britto, havaianas de Romero Britto. Certamente cafonice não é estética, mas um reflexo de nossas atitudes.
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