Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Helio Mattar

Vida longa aos produtos, por favor!

Crédito: Adriano Vizoni/Folhapress SAO PAULO - SP - BRASIL, 24-04-2015, 22h20: PRODUCAO DE CELULARES. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, TEC) ***EXCLUSIVO FSP***
Obsolescência percebida é estratégia deliberada da indústria de bens

Na estação 6 do corpo de bombeiros da cidade de Livermore, nos Estados Unidos, há uma discreta lâmpada que é mantida sempre acesa. Seu brilho não tem nada de especial, mas se trata de uma peça histórica, que fez do local um ponto turístico.

Conhecida como Lâmpada Centenária, ela está no livro dos recordes "The Guinness Book" por ser a mais antiga do mundo, em funcionamento há 117 anos.

Produzida em 1901 pela Companhia Elétrica Shelby, a antiga lâmpada incandescente difere da versão que conhecemos por ter seu bulbo feito artesanalmente e um filamento mais espesso, de carbono, enquanto os modelos contemporâneos, recentemente retirados do mercado, têm filamento feito de tungstênio.

Aqueles eram tempos em que os produtos eram feitos para durar ao máximo. Mas na década de 20 este cenário mudaria radicalmente, com a organização do Cartel de Phoebus, composto pelas maiores empresas de iluminação da época.

Responsável por três quartos da produção mundial de lâmpadas elétricas, este grupo fez um acordo e passou a fabricar, deliberadamente, produtos com duração muito inferior ao seu potencial, com o objetivo de estimular sua rápida substituição e gerar mais emprego em uma época de recessão. Foi então que as lâmpadas passaram a ter uma vida útil bem curta.

Esse é um dos casos emblemáticos da chamada "obsolescência programada", política de design e de produção de bens de consumo que rapidamente se tornam obsoletos e que, por isso, serão substituídos com frequência. Para estimular a troca precoce do produto, as empresas têm estratégias como o encerramento da oferta de peças sobressalentes, o uso de materiais não duráveis, o lançamento de versões posteriores de software e acessórios incompatíveis com aparelhos mais antigos, a mudança do design tornando-o mais "moderno" e o uso da publicidade de forma tal que há uma indução da troca por um produto novo mesmo antes do antigo ter encerrado a vida útil.

Esses "truques" dos fabricantes para vender mais têm um impacto negativo no meio ambiente, que não consegue se regenerar na mesma velocidade do desgaste sofrido no processo de produção e descarte dos bens de consumo - problema que acaba por refletir na própria sociedade e nas empresas, em geral.

Pensando apenas no lixo eletrônico, como exemplo, o volume descartado no Brasil, em 2014, foi de 1,4 milhão de toneladas, segundo relatório da União Internacional de Telecomunicações. Esse tipo de resíduo tende a ter componentes tóxicos que contaminam o solo e comprometem a saúde da fauna e das pessoas. Por isso o seu descarte é preocupante, sem contar que a produção dos eletrônicos, celulares, computadores e outros itens tecnológicos tem um forte impacto ambiental e na sociedade.

Apesar disso, são produtos tratados, cada vez mais, como se fossem "descartáveis".

Já parou para pensar no tempo de uso dos celulares, por exemplo?

Aproximadamente um terço dos brasileiros donos de smartphones têm a intenção de trocar de aparelho em menos de um ano, segundo pesquisa da Kantar Worldpanel feita em 2016.

Esse desejo do consumidor de fazer a troca tão rapidamente não é consequência da obsolescência programada, visto que a vida útil do produto é muito maior do que um ano. Mas é, sim, um reflexo da "obsolescência percebida", uma estratégia deliberada das fabricantes que nos leva a considerar um bem obsoleto mesmo quando ele segue sendo perfeitamente funcional.

Com fortes investidas na propaganda e na comunicação, além da mudança no design dos produtos e a inclusão de novas funcionalidades (nem sempre realmente úteis a todos os consumidores), as empresas induzem a criação de "novas necessidades" por meio de lançamentos contínuos de produtos.

Não faltam campanhas publicitárias que incitam esse consumo desnecessário, reforçando a ideia de que o consumidor só será competente, moderno e valorizado por outras pessoas se tiver a última versão do smartphone, mesmo que o celular "antigo" esteja completamente funcional.

Apesar deste cenário de envelhecimento precoce generalizado dos produtos, felizmente um movimento de reação começa a se esboçar.

A França aprovou em 2015 uma lei que pune empresas que praticarem a obsolescência programada com multas de até 300 mil euros e até dois anos de prisão para os responsáveis. No ano passado, essa lei foi acionada pela primeira vez pela associação civil HOP - Halte à l'Obsolescence Programmée (Fim à Obsolescência Programada) - contra empresas de impressoras e de cartuchos de tinta sob a acusação de que muitas vezes, na
utilização dos produtos, o consumidor é levado a acreditar que os cartuchos estão vazios quando a tinta, de fato, ainda não acabou.

Também pode ser vista como uma reação em direção contrária à obsolescência programada o crescimento da rede Repair Café (Café Reparo), que já tem mais de 1.400 unidades ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Nesses espaços colaborativos, as pessoas se reúnem não só para consertar gratuitamente objetos quebrados, mas também para discutir sobre a forma como consumimos atualmente.

Mesmo que hoje o consumidor não consiga nadar contra essa corrente de substituição constante dos seus bens de consumo, é importante que as pessoas mais conscientes reforcem os primeiros esforços para vivermos em um mundo onde os produtos sejam usados até o limite de sua vida útil.

Apoiar as políticas públicas que incentivem as empresas a não praticar a obsolescência programada e a disseminar a cultura de prolongar ao máximo a vida útil dos objetos são atitudes que contribuem para que a natureza e a sociedade possam viver sob uma pressão muito menor, na direção do consumir como forma de melhorar o bem estar dos consumidores e não como um fim em si mesmo.

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