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hélio schwartsman

 

05/07/2012 - 07h00

Nações que fracassam

O Paraguai está condenado a não dar certo? E o Egito? Após passarmos a semana debatendo se houve ou não um golpe de Estado no país vizinho e se os militares egípcios ceifaram ou não a cada vez menos reluzente Primavera Árabe, acho que é hora de discutir o que distingue as nações pujantes das malogradas. E, para fazê-lo, recorro ao importante livro "Why Nations Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty" (por que nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza), dos economistas Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard), lançado em março nos EUA.

A tese defendida pelos autores é escandalosamente simples: países que têm instituições políticas e econômicas inclusivas funcionam; já os que têm suas instituições montadas para favorecer uma elite falham, pelo menos no longo prazo. O que impressiona na obra é a erudição histórica e a riqueza de exemplos de todas as eras e cantos do mundo com que procuram sustentar suas afirmações. São quase 600 páginas de narrativas envolventes e fluidas.

Os casos que, a meu ver, chegam mais perto de provar a hipótese de Acemoglu e Robinson são os experimentos históricos naturais constituídos por "localidades gêmeas" separadas pelos caprichos das Parcas. Tomemos as cidades de Nogales. Elas têm o mesmo nome, praticamente a mesma composição étnica e cultura. Estão, contudo, divididas por uma cerca. Na porção norte, estamos em Nogales, Arizona, EUA; na sul, em Nogales, Sonora, México. Em Nogales, Arizona, a renda familiar anual é de US$ 30 mil, a maioria dos adolescentes está na escola. Os indicadores de saúde estão muito acima da média mundial, e a segurança pública é bastante razoável. Já em Nogales, Sonora, a renda é de apenas US$ 10 mil e grande parte dos jovens não frequenta o colégio. A expectativa de vida é bem menor do que ao norte da cerca, e o crime corre solto.

Um acidente de percurso? Pode ser. Passemos então às Coreias. De novo, temos o mesmo povo dividindo um pedaço de terra com recursos não muito diferentes que, por circunstâncias históricas, a partir de um dado momento seguiu trajetórias bastante diferentes. No norte, temos um dos países mais pobres do mundo, castigado por fomes de padrão africano, no qual boa parte da população não tem acesso a quase nenhuma das comodidades da vida moderna, como telefones e luz elétrica. No Sul, os coreanos vivem com padrões de Primeiro Mundo. A educação é uma das melhores do planeta e o país não cessa de melhorar sua posição em praticamente todos os indicadores de riqueza e bem-estar.

Fenômenos como Nogales e as Coreias, dizemos autores, mostram que as explicações mais usuais para o sucesso e o fracasso de nações, que se baseiam em diferenças culturais e fatalidades geográficas, estão erradas, ou, na melhor das hipóteses, ficam muito aquém de elucidar tudo. E, se o busílis não está na alma do povo nem na infraestrutura, é forçoso reconhecer que a forma de organização política e econômica tem algo a ver com o destino das nações.

O texto de Acemoglu e Robinson pretende ser a reabilitação da política --e em larga medida o é. Ele se contrapõe à tendência de obras recentes como "Armas, Germes e Aço" e "Colapso", de Jared Diamond, de colocar a geografia, tecnologias e doenças como explicações centrais para determinar surgimento, expansão e desaparecimento de civilizações. Curiosamente, Diamond, que é nominalmente criticado em "Why Nations Fail", fez generosos elogios ao livro. Minha impressão é a de que as teorias operam em níveis diferentes e não excludentes. Diamond nunca pretendeu dar conta de casos como o das Coreias. Suas ideias são mais úteis para iluminar situações em que sociedades totalmente diferentes, como europeus e ameríndios, se encontram e se chocam. De toda maneira, minha impressão pessoal é a de que a dupla de economistas identificou algo importante. Como é natural, porém, superestimam o alcance de suas explicações. Elas não precisariam ter o caráter quase exclusivista que lhe atribuem. Na verdade, elas até que convivem bem ao lado dos fatores geográficos e culturais numa relação muitas vezes sinérgica.

Voltando às instituições, os autores afirmam que a prosperidade e o crescimento sustentáveis só são possíveis quando as instituições políticas de um país são inclusivas, permitindo que todos tirem proveito das oportunidades econômicas. Mais do que isso, a nação precisa ser capaz de manter esse pluralismo político, pois sempre surgirão grupos dispostos a passar por cima dos demais e pôr as instituições a serviço de seus interesses. Uma vez no poder, a tendência da elite dominante é chutar a escada. Não é coincidência, portanto, que, na maioria dos casos históricos, o que verificamos são instituições políticas extrativistas, concebidas para que um determinado grupo se aproprie da maior parte da riqueza, sem se preocupar muito com o restante da sociedade. Há exemplos dos mais variados calibres, desde ditadores africanos que arrebatam fortunas calculadas na casa dos bilhões de dólares enquanto a população passa fome, até Estados bem mais sofisticados, como a antiga URSS, em que a sociedade estava a serviço da casta dirigente.

Durante várias décadas, a economia da União Soviética cresceu a taxas bem mais expressivas que o Ocidente. O país comunista chegou a liderar a corrida espacial. Acemoglu e Robinson, porém, dizem que é impossível manter esse ritmo por muito tempo, pois uma prosperidade mais duradoura depende de um fluxo constante de inovações e ganhos de produtividade. E isso o regime comunista não podia providenciar, à medida que a "vanguarda do partido" temia qualquer coisa semelhante à destruição criativa que caracteriza as sociedades que operam sob a dinâmica da inovação.

No final das contas, a estrutura social vigente não oferecia incentivos para que as pessoas fossem inventivas e nem mesmo para que se dedicassem a atividades de que gostavam. Na verdade, a melhor forma de sobreviver na URSS era ser o mais medíocre possível. A "riqueza" soviética, sustentam, era muito mais fruto de uma realocação de recursos do campo para a indústria pesada do que um fenômeno real. A miragem enganou muitos, em especial no Ocidente, durante muito tempo. Mas, a partir do final dos anos 70, a mágica se esgotou e, nos 80, veio a derrocada. Mikhail Gorbatchov até que tentou salvar as coisas promovendo a abertura política, mas já era tarde.

Numa das mais bombásticas previsões do livro, Acemoglu e Robinson afirmam que o milagre chinês também está com os dias contados, a menos que Pequim mude radicalmente o jogo, o que é improvável. Oligarquias raramente abrem mão de poder e não ousam colocá-lo em risco. Tendem a fazê-lo apenas quando não há alternativa. Elas, afinal, são as beneficiárias das instituições excludentes. Se o Partido Comunista Chinês não permitir muito mais liberdade para seus cidadãos definirem o que vão fazer com seu tempo e recursos, em algum momento o país parará de crescer, provavelmente por falta de novas ideias e agilidade econômica. A conferir.

Os autores reservam fortes elogios ao Brasil. Dizem que o país parece ter atravessado o limiar que separa as nações fracassadas das prósperas pelo fato de conseguido criar uma ampla coalizão política em torno de alguns pontos-chave e mobilizado a população para persegui-los. É aí, acredito, que o livro mostra, pelo menos para quem conhece a situação mais de perto, que tem lá suas fragilidades. Não que eu discorde da tese central. Também acho que o Brasil está no bom caminho e que isso se deve em larga medida ao fato de termos chegado a um consenso em relação ao modelo econômico que queremos e às linhas-mestras para sua distribuição. Não vejo, entretanto, a grande mobilização social de que falam os autores. Também não creio que nossas instituições políticas tenham mudado tanto nos últimos 20 anos. Diria até que este é um de nossos problemas. E os exemplos que Acemoglu e Robinson usam para apoiar suas ideias políticas sobre o Brasil são ruins. Eles dão grande ênfase, por exemplo, ao orçamento participativo de Porto Alegre, que é mais uma simpática peça de marketing do que uma ferramenta real de decisão sobre a alocação de recursos.

Não são esses detalhes, entretanto, que tiram a grandeza do livro. É uma obra de fôlego que, mesmo que peque no varejo, traz argumentos bastante convincentes em favor de uma repartição equitativa do poder político, como sempre defenderam as esquerdas. Segundo os autores, esse equilíbrio favorece a produção e a distribuição de riquezas, ao fazer com que os mecanismos de mercado funcionem em sua melhor forma. E esse é o ponto do raciocínio de que as esquerdas não gostam. O mundo é mais complicado do que presumem nossas intuições ideológicas.

p(tagline) PS -- Por motivo de férias, dou ao leitor uma folga pelas próximas semanas. Retomo a coluna em agosto.

hélio schwartsman

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

 

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