É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Onde está o mérito?
SÃO PAULO - No belo artigo que escreveu para a Folha na semana passada, meu amigo Eduardo Giannetti lembra que a desigualdade não é um mal em si. Ela coloca (ou não) um problema ético dependendo da forma como foi estabelecida.
Reproduzo suas palavras: "A questão crucial é: a desigualdade observada reflete essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou, ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem –de uma profunda falta de equidade nas condições iniciais de vida, da privação de direitos elementares e/ou da discriminação racial, sexual ou religiosa?".
Essa é, sem dúvida, uma distinção importante. É nela que fundamos a noção de mérito, que legitima instituições venerandas como concursos públicos, provas escolares e esportivas e até a mais arcana ideia de sucesso (ou fracasso) na vida.
Não resisto, porém, a complicar as coisas invocando John Rawls. Para o filósofo norte-americano, a roleta genética das capacidades e aptidões naturais não é essencialmente "mais justa" do que os direitos de nascimento que a nobreza se autoatribuía ou as vantagens proporcionadas por crescer numa família rica.
A tese é radical. Atributos como força, inteligência e beleza seriam um prêmio indevido, já que resultam de combinações aleatórias de genes e não de virtudes individuais. Se é injusto discriminar alguém devido à cor da pele, é injusto favorecer outrem porque teve a sorte de nascer com a qualidade certa na época certa.
Aqui, a própria ideia de mérito parece derreter diante de nossos olhos. É possível salvá-la? Se temos como pressuposto uma noção mais absoluta de justiça como Rawls, creio que não. Pragmaticamente, porém, dá para defender que o Estado contrate o candidato que foi melhor na prova porque ele tende a ser mais eficiente. O problema é que assim fica mais difícil equiparar automaticamente a noção de meritocracia à de justiça.
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