É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Aborto, eleição e violinistas
SÃO PAULO - É só as eleições se aproximarem para os principais candidatos darem início a um concurso de coroinha e ver quem fica melhor com o eleitor religioso. O lance mais recente desse espetáculo foi dado por Eduardo Campos, que se deslocou a Aparecida para dizer que é contra o aborto.
É claro que Campos, como cidadão e como político, tem o direito de posicionar-se da forma que melhor lhe convier, mas, neste caso, deveria ter a decência de riscar o termo "socialista" do partido que comanda, já que a defesa do direito das mulheres de decidir se vão levar em frente uma gravidez é uma bandeira clássica desse movimento. Um socialista contra o aborto soa quase tão mal quanto um padre a favor da prática.
Não é, porém, da inconsistência ideológica dos partidos que eu queria falar hoje, mas sim do aborto.
Uma argumentação provocante em sua defesa é o experimento mental proposto pela filósofa Judith Jarvis Thomson: Uma bela manhã você acorda e constata que foi cirurgicamente ligado a um famoso violinista. É que ele sofre de uma doença fatal dos rins e você é a única pessoa do planeta com tipo sanguíneo compatível com o dele. Por isso, a Sociedade dos Amantes da Música o sequestrou e realizou o procedimento que coloca os seus rins para filtrar o sangue de ambos. A boa notícia é que, após nove meses, o virtuose terá condições de viver por conta própria e vocês serão separados.
O ponto de Thomson é que você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se ligado ao violinista e, assim, garantir que ele viva. Fazê-lo é até meritório, um gesto de abnegação, mas de modo algum um dever.
O interessante no argumento da filósofa é que o feto é reconhecido como um ser independente e titular de direitos plenos, como gostam os adversários do aborto. Mas ele mostra que, ainda assim, é possível construir um bom caso em favor da autonomia da mulher.
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