É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Pela culatra
SÃO PAULO - Meu masoquismo não vai além dos debates eleitorais. Já faz alguns pleitos que parei de acompanhar com lupa a propaganda dos candidatos no rádio e na TV. É impossível, porém, passar completamente alheio ao fenômeno, e o que me chamou a atenção este ano foi o grande número de inserções que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) coloca na programação.
Algumas das peças, que, aliás, já saíram do ar, até que traziam informações relevantes, como os procedimentos necessários para o voto em trânsito, mas o grosso delas tenta incutir espírito cívico no eleitor e incentivá-lo a comparecer no dia da votação. Considerando que o sufrágio é obrigatório no país, tais campanhas me parecem, no mínimo, um grande desperdício. Seria o equivalente de a Receita Federal gastar preciosos recursos públicos com anúncios publicitários que tentem convencer o contribuinte de que ele deve ficar feliz ao pagar seus impostos.
Eu não seria tão contra esse tipo de campanha se o voto fosse facultativo, como ocorre nas democracias civilizadas. Mas ele é compulsório. Ironicamente, por sutilezas lógicas que examinaremos a seguir, isso faz com que a própria mensagem cívica que o TSE tenta transmitir se esfacele.
Tomemos o caso da esmola ou do ato de bravura. Ora, para que esses gestos tenham significado, é necessário que o indivíduo tenha a opção de não fazê-los. Se se tornam obrigatórios, a esmola se converte em tributo, e o heroísmo, em dever. Com isso, o valor que tinham é subvertido.
Penso que com o voto é a mesma coisa. Se somos compelidos a apertar os botões da urna, nossas escolhas se tornam menos livres, o que rouba um pouco de seu significado e, pior, impede que o eleitor se constitua como um sujeito verdadeiramente autônomo, se é lícito empregar aqui o vocabulário kantiano.
De minha parte, cada vez que ouço as edificantes peças do TSE, fico com vontade de viajar no dia da eleição.
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