É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Pecado original
SÃO PAULO - Boa parte do que encontramos nos grandes museus é fruto, senão de roubo, de delitos menores como apropriação indébita, estelionato. Tomemos o caso da pedra Rosetta, a estela bilíngue que ajudou Champollion a decifrar os hieróglifos egípcios. A pedra é exibida no Museu Britânico desde 1802, depois que os ingleses a tomaram dos franceses que dela se apropriaram após redescobri-la no Egito.
Há casos extremos, como o Pergamon, em Berlim, em que prédios inteiros da antiga cidade foram transportados para a Europa. Restaria definir se a vítima foi a Turquia (localização atual de Pérgamo) ou a Grécia (sucessora espiritual da Grécia clássica). Mas há também situações mais dúbias, como as estátuas de Aleijadinho que o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda se empenha em tirar das mãos de colecionadores particulares para devolvê-las a museus.
Seu argumento é o de que, até 1889, toda a estatuaria religiosa era de propriedade da monarquia, ou seja, do Estado brasileiro. Como as peças não foram oficialmente vendidas, quem quer que as tenha valeu-se de meios ilegais para obtê-las, o que justificaria a reestatização.
É uma tese polêmica. Acho até que pode ser usada quando a história do objeto é conhecida e o lapso de tempo entre a apropriação e a reclamação está limitado a algumas gerações. Faz sentido que os egípcios reclamem a devolução da pedra Rosetta. Mas a coisa muda de figura quando não há certeza sobre quem tomou o que de quem ou quando o delito original se perde em camadas geológicas de história. Parte do acervo do Museu Britânico foi legitimamente comprada de pessoas que herdaram os objetos. Mesmo que haja crimes no passado, uma hora eles prescrevem.
Não sei em que caso se encontram as estátuas do Aleijadinho, mas sei que obras de arte bagunçam nossas intuições sobre propriedade. Se eu comprar a Mona Lisa, por exemplo, tenho direito de destruí-la?
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