É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
O racismo e a Justiça
SÃO PAULO - Os protestos raciais em várias cidades dos EUA surgiram como consequência de atos judiciais –as decisões de dois "grand juries" de não levar a julgamento policiais brancos que mataram negros–, mas refletem uma dificuldade que o sistema jurídico não está aparelhado para resolver.
Apesar dos avanços institucionais das últimas décadas, os dados demográficos revelam que a raça ainda é um elemento decisivo no destino das pessoas nos EUA. Negros têm piores salários, menos instrução, estão super-representados na população carcerária, nos óbitos violentos e nos incidentes com policiais. É difícil olhar para esses números sem ser assaltado por uma sensação de injustiça.
O problema todo é que o Judiciário não lida com demografia nem com dados agregados, mas com situações particulares. Pior, ele nem sequer dá muita bola para resultados concretos –no caso, a morte de duas pessoas–, priorizando as intenções, isto é, o estado mental dos investigados e réus, e ainda nos instantes anteriores ao desfecho da história.
Nessas circunstâncias, ou seja, abstraindo-se o fato de que as vítimas eram negras e que morreram, é menos surpreendente que os policiais tenham sido liberados. Nossa reação natural é xingar o sistema e sair para protestar, o que é decerto legítimo. Mas, nem que seja apenas pelo amor à reflexão, convém perguntar se o Judiciário poderia operar sob outro paradigma.
O que aconteceria se o sistema fosse 100% consequencialista, isto é, se julgássemos as pessoas só pelos resultados de suas ações? O sujeito que atropela sem querer um pedestre e o mata se tornaria tão culpado quanto o assassino que tira a vida de sua vítima torturando-a. Nesse processo, perderíamos a capacidade de identificar e isolar indivíduos antissociais, que é a própria razão pela qual desenvolvemos sistemas judiciais.
O racismo é um problema que vai muito além do Judiciário.
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