É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
O bom debate
SÃO PAULO - Devemos travar debates em termos racionais ou é desejável que a carga moral paute a discussão? A pergunta, como o leitor já deve ter intuído, é traiçoeira.
Longe de mim sugerir que a razão é dispensável. Se há uma característica que possibilita que vivamos em sociedades de dezenas de milhões de pessoas com os mais variados "backgrounds" culturais e diferentes prioridades, é justamente a capacidade de desenvolver tecnologias e estabelecer regras básicas cuja pertinência lógica está ao alcance de todos.
No que diz respeito a debates propriamente ditos, a razão é que nos ajuda a buscar evidências que apoiem nossa tese (ou falseiem a de nossos adversários), a discriminar entre argumentos válidos e falaciosos e a chegar a conclusões sólidas.
O problema é que, embora a razão faça tudo isso, ela é péssima motivadora. Nosso modo analítico, que opera com algoritmos, cálculo probabilístico e lógica formal, é um sistema abstrato, lento e que exige reflexão antes de traduzir-se em ações.
Felizmente, não dependemos só dele. Contamos também com um módulo experiencial. Moldado por milhões de anos de seleção natural, ele é intuitivo, baseia-se em emoções e é extremamente rápido. Não precisamos pensar antes de recusar comida estragada ou fugir de cães bravios. A dificuldade aqui é que, como as emoções estão no comando, tudo pode adquirir dimensão moral.
Um bom exemplo é o do cigarro. Mais ou menos desde os anos 60, todo fumante sabia que o hábito faz mal à saúde. Esse conhecimento racional, porém, não era o bastante para fazer a maioria abandonar o cigarro. A partir dos anos 90, à medida que o ato de fumar foi ganhando contornos de falha moral, os índices de ex-tabagistas cresceram e menos jovens se iniciaram nas libações fumígenas. O perigo aqui é que abrimos espaço para discriminações e estridências que são elas mesmas moralmente injustificáveis.
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