É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Viciados sobre rodas
SÃO PAULO - Você gostaria de ser operado por um cirurgião viciado em crack? Voaria com um piloto dependente de heroína?
O cérebro humano é um trapaceiro. Quando ele não sabe a resposta para uma pergunta, cata a primeira "verdade" remotamente aparentada à questão original e a eleva à categoria de solução. Como a resposta às duas perguntas iniciais é um óbvio e sonoro "não", tendemos a estendê-la a tudo o que tiver a menor relação com o uso de drogas e atividades profissionais, deixando de proceder a distinções importantes.
Foi nessa armadilha que caíram nossos parlamentares ao aprovar, na Lei dos Caminhoneiros, dispositivo que vincula a manutenção da carteira de habilitação profissional à realização de exames toxicológicos periódicos. Pela norma, o teste precisa detectar, com janela mínima de 90 dias, o uso de substâncias psicoativas que causem dependência ou comprometam a capacidade de direção.
Como ninguém quer correr o risco de cruzar com um "junkie" no comando de um bólido de 20 toneladas, fica até difícil ser contra essa regra. Mas, se a examinarmos melhor, veremos que suas implicações não são poucas nem triviais.
Para começo de conversa, ela é ampla demais. É absolutamente irrelevante para a segurança das estradas se o caminhoneiro tomou um porre ou fumou um baseado uma semana antes de sentar-se ao volante.
O exame, porém, classificaria essas situações como de risco e o profissional não apenas ficaria sem carteira de habilitação como ainda teria de ser encaminhado para o SUS para fazer tratamentos de que provavelmente não precisa. Em alguns desses casos, seria, também sem necessidade, encostando pelo INSS.
Ademais, laboratórios brasileiros não fazem o teste, de modo que o material terá de ser encaminhado para os EUA, elevando o custo do exame. São muitos efeitos colaterais para ganhos discutíveis em segurança.
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