É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Vidas paralelas
SÃO PAULO - A escolha do nome "Catilinárias" para designar o cumprimento de mandados de busca e apreensão nas casas de Eduardo Cunha e de outros figurões do PMDB é um daqueles achados felizes.
Como a cultura clássica andou perdendo prestígio nos últimos séculos, convém colocar o contexto. "Catilinárias" são os quatro discursos que o filósofo, orador e político romano Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) proferiu contra o senador Lúcio Sérgio Catilina (108-62 a.C.), denunciando-o por conspirar contra a República –o que era verdade.
Especialmente a primeira catilinária é uma obra-prima da retórica. Todos aqueles que tiveram o prazer de estudar um pouco de latim hão de se recordar de passagens como "Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?" (até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência) ou o ainda mais célebre "O tempora, o mores!" (ó tempos, ó costumes).
O que torna a escolha do nome particularmente feliz é o fato de páginas e páginas das acusações lançadas por Cícero contra Catilina se ajustarem como uma luva a Cunha. Em comum, ambos têm o populismo, a ganância e, principalmente, a cara de pau. Até as pedras sabiam o que eles tramavam, mas isso não os perturbava. Cunha se mantinha no comando da Câmara e Catilina, mesmo tendo ordenado uma frustrada tentativa de assassinar Cícero na véspera, foi pessoalmente ouvir o libelo do orador, ao qual respondeu. Daí que várias frases do discurso conservam um delicioso duplo sentido histórico, como "Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?".
Espero, porém, que o paralelismo acabe por aqui. Como Cícero não dispunha de provas irrefutáveis contra Catilina e os conspiradores, tratou de forjar um flagrante e condenou cinco carbonários à morte sem julgamento. Não foi uma atitude muito republicana deste campeão da República.
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