É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Vergonha
SÃO PAULO - Os preparativos do governo italiano para receber o presidente do Irã, Hasan Rowhani, incluíram cobrir com painéis as estátuas de corpos nus que abundam nos palácios por que o mandatário persa, que também é clérigo islâmico, passou. Com tal gesto, o premiê italiano, Matteo Renzi, conseguiu a proeza de ser criticado tanto pela esquerda, quanto pela direita e pelo pessoal ligado às artes. Até onde vão os deveres da hospitalidade?
Obviamente, seria uma grande desfeita oferecer um leitãozinho como prato principal ao presidente iraniano ou a qualquer outra autoridade muçulmana, já que o islamismo proíbe o consumo de suínos. Quando se recebe uma visita, é preciso esforçar-se para agradá-la. Isso vale não apenas para governos mas também para cidadãos particulares.
É importante, entretanto, notar que não são apenas os anfitriões que têm deveres. Hóspedes também precisam respeitar um código de conduta. Quando mulheres ocidentais vão ao Irã, por exemplo, precisam cobrir a cabeça em lugares públicos. Isso significa que, quando clérigos iranianos vão a países ocidentais, precisam estar dispostos a pelo menos presenciar elementos de outra cultura diferente da sua, o que inclui uma estatuaria com a genitália à vista.
Ao cobrir o mármore, o governo italiano, ainda que inadvertidamente, acabou cometendo um pequeno golpe contra a democracia. Sinalizou que, em nome da cooperação, está disposto a abrir mão de alguns de seus valores. Isso seria normal, até desejável, se estivéssemos tratando de coisas equiparáveis ao cardápio do almoço. Mas o premiê Renzi foi além, ele sacrificou um dos traços característicos da paisagem romana, transmitindo a mensagem de que o Ocidente não necessariamente exigirá do Irã respeito à regra de ouro das democracias, que é aceitar diferenças culturais. Você não tem de amar o seu vizinho de hábitos e religião estranhos, mas precisa tolerá-lo.
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