É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Profissão corrupto
SÃO PAULO - Quando você pergunta a uma criança o que ela quer ser quando crescer, dificilmente ouve um "corrupto" como resposta. Não obstante, a corrupção está aí e é invariavelmente praticada por pessoas que já foram crianças que acalentavam outros sonhos profissionais. Como alguém se torna corrupto?
Acaba de sair na "Nature Neuroscience" um artigo de Neil Garrett, Stephanie Lazzaro, Dan Ariely e Tali Sharot que oferece um modelo para compreender essa trajetória. O interessante desse trabalho é que ele mistura um experimento psicológico com técnicas de imagem, o que permite não só levantar evidências empíricas mas também arriscar um mecanismo biológico para explicá-las.
No experimento, a cobaia deveria fazer uma estimativa sobre a quantidade de dinheiro contida num jarro. Tinha a oportunidade de ser desonesto beneficiando a si próprio e prejudicando a um parceiro, beneficiando a si próprio e ao parceiro, beneficiando ao parceiro e prejudicando a si próprio e beneficiando a si próprio sem prejudicar ao parceiro.
O que os pesquisadores constataram é que a desonestidade aumentava com a repetição dos exercícios, o que é compatível com a famosa teoria das janelas quebradas, segundo a qual pequenas transgressões degeneram em crimes mais graves. Igualmente interessante, isso só ocorria quando o participante se beneficiava pessoalmente do ato de desonestidade. Quando ele "roubava" para outros, a escalada não acontecia.
Como uma parte das cobaias realizou o experimento numa máquina de ressonância magnética funcional, deu para ver que a amígdala, uma estrutura do cérebro ligada a emoções negativas, incluindo a repulsa moral, estava envolvida no processo. Ao que parece, ela reage com menos intensidade a cada repetição do ato desonesto. Literalmente, o corrupto vai se acostumando com essa condição, até que já não a sinta mais como algo condenável. E aí, liberou geral.
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