É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
O regime do erro
Reprodução/Libertarianism.org | ||
O filósofo americano Jason Brennan, professor da Universidade Georgetown |
SÃO PAULO - A pedido de leitores e aproveitando o desastre eleitoral nos EUA, comento a entrevista que o filósofo Jason Brennan (Georgetown) deu à Folha, na qual sustenta que a democracia como a conhecemos deveria ser substituída por um sistema em que prevalecesse o voto de quem tenha conhecimento.
A tese soa terrivelmente elitista. E é. Mas isso não é motivo para não a examinarmos melhor. Brennan parte de exemplos de votações que poderíamos definir como objetivamente erradas, caso do Brexit, da rejeição ao acordo de paz na Colômbia e, é claro, de Trump (que era só uma hipótese no momento da entrevista), e afirma que esses resultados só foram possíveis porque as pessoas não fizeram suas escolhas com a razão, mas com base em emoções e má informação. Até aqui, é difícil discordar.
Brennan, dando sequência a uma linha de críticas à democracia que remonta a Platão, avança mais e diz que a falha é estrutural. Informar-se adequadamente sobre todos os temas é tarefa impossível, incompatível com a divisão social do trabalho. A democracia representativa, ao criar a figura do político em tempo integral e de partidos orgânicos, deveria resolver ou ao menos reduzir essa dificuldade. Não é o que tem ocorrido. Até aqui, continuo com Brennan.
Em alguns casos, até adotamos a sugestão do filósofo de transferir o poder decisório a um corpo técnico. É o que fazemos quando criamos agências reguladoras, que legislam sobre temas impenetráveis para não especialistas. Eu receio, porém, que seja difícil ampliar muito esse conceito.
A democracia não funciona porque favoreça a tomada de decisões sábias, mas porque institucionaliza o conflito inerente a qualquer sociedade. Para dar certo, ela precisa ser percebida como um sistema que dê oportunidade a todos. E é complicado manter essa percepção num regime em que manda quem sabe e obedece quem tem juízo. Eu diria até que a democracia pressupõe o erro.
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