É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.
Viver e deixar viver
Nelson Antoine/Folhapress | ||
Grupo protesta contra a performance no MAM, em São Paulo |
Escrevi há pouco uma coluna sobre as polêmicas envolvendo exposições artísticas e concepções morais. Leitores me recriminaram por não ter entrado no mérito do "abuso" a que foi submetida a criança que interagiu com um artista nu na performance "La Bête".
Não entrei por uma questão muito simples: não vi nenhum tipo de abuso. Mais importante, a mãe da criança, que é a opinião mais relevante aqui, também não viu. Ela acompanhava a menor e havia sido previamente alertada acerca do teor da exposição, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou ECA. Se ela não objetou (e estou presumindo que o pai, que é a segunda voz relevante, também não o tenha feito), receio que ninguém mais seja parte legítima para interferir. É claro que todos podem, no contexto democrático, dar seus palpites, mas são apenas palpites não solicitados, para os quais a família pode perfeitamente dar uma banana.
Até existem circunstâncias em que menores precisam ser protegidos de seus genitores, quando, então, é legítimo que o poder público intervenha. Mas esses são casos extremos, que só se justificam quando a criança está sendo submetida a situações de violência muito concretas ou exposta a perigos graves, sobre os quais exista algum tipo de comprovação científica. Como até hoje nenhum pesquisador mostrou que ver e tocar pessoas peladas num contexto não sexual cause traumas irreversíveis, não cabe aqui nenhum tipo de ação do Estado.
Vivemos numa sociedade complexa e diversa, na qual convivem muitos e às vezes antagônicos conjuntos de valores. Se, para uma família, a criança interagir com um artista nu não é um problema, então não deve ser considerado um problema para aquela família. Não dá para sair atropelando o poder familiar com base em perigos presumidos que dizem muito mais sobre a psique de quem os imagina do que sobre o mundo real.
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