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hélio schwartsman

 

02/10/2003 - 00h00

Spam, o estupro virtual

Não tenho nenhum interesse em experimentar novos métodos de aumentar o pênis, não desejo perder peso sem fazer esforço nem jogar minhas parcas economias num cassino virtual. Não quero colocar um detetive para seguir os passos de minha mulher e peço que me interditem judicialmente se eu um dia comprar um CD com 10 milhões de endereços eletrônicos para enviar mensagens a pessoas que quase certamente não querem recebê-las. Poucas coisas me irritam mais do que os spams, os textos, em geral publicitários, que tomam de assalto diariamente minha caixa de correio eletrônico.

Mentem aqueles que dizem ser o marketing pela internet apenas uma variação das malas-diretas já há vários anos enviadas pelo correio tradicional. Os chatos que se valem da boa e velha ECT ou do centenário telefone têm pelo menos a decência de pagar eles mesmos pelas despesas que geram. No caso dos spams, o anunciante manda para a vítima a mensagem não-solicitada e, junto com ela, a conta.

Imagino que ninguém mais seja ingênuo a ponto de acreditar que a praga dos spams não implica custos. No Brasil, cerca de 90% dos internautas se conectam à rede pelo telefone. Isso significa que o tempo gasto para baixar as mensagens indesejadas se transforma em impulsos telefônicos que aparecerão na fatura do próximo mês.

E esse nem é o único custo. No final do ano passado, calculava-se que os spams respondiam por cerca de 40% do tráfego de e-mails no Brasil. Para dar conta da demanda extra, provedores de acesso adquirem novos equipamentos e --evidentemente-- repassam os custos para seus assinantes.

E não é só. Existem contas de e-mail com capacidade máxima de armazenagem. Assim, alguém pode deixar de receber uma mensagem importante --de vida ou morte, para sermos dramáticos-- porque sua caixa de correspondência ficou atulhada de "junk-mail" não-solicitado.

A pior mazela do spam, porém, diz respeito a um bem insubstituível: o tempo que perdemos para acessar todo esse lixo e apagá-lo. Como normalmente acesso minha correspondência na Folha, via banda larga, posso considerar-me um privilegiado. Mas, quando por alguma razão preciso fazê-lo por uma conexão telefônica, tenho vontade de dar um tiro no infeliz que, por razões obscuras, achou que eu estava interessado em fotos de mulheres em enlevos lúbricos com animais de fazenda. Nada contra o sexo, os animais da fazenda e as mulheres, mas não está entre as minhas parafilias reunir todos esses elementos numa fantasia só.

Já estava me conformando com a idéia de que teria de conviver para todo o sempre com os spams, quando li a respeito de uma legislação anti-spam sancionada na semana passada pela Califórnia e que deve começar a vigorar em 1º de janeiro do próximo ano. Não nutro ilusões, mas a peça, por ser bastante radical, tem a chance de mudar um pouco as coisas.

Mensagens publicitárias só poderão ser enviadas de ou para computadores na Califórnia caso o anunciante tenha uma autorização explícita do destinatário, obtida em relação comercial anterior. A sanção prevista para o descumprimento da norma é multa que vai de US 1.000 por e-mail enviado a US 1 milhão por campanha realizada. O pulo do gato está no fato de que podem ser responsabilizados tanto o "spammer", a pessoa ou firma que envia o e-mail, como também a empresa cujo produto é anunciado. Para tornar o cumprimento da regra ainda mais provável, são considerados parte legítima para iniciar um processo com base na lei não apenas o Estado, mas também provedores de acesso e usuários que tenham recebido mensagens não-solicitadas.

Outro ponto forte da legislação está no fato de ela ser californiana. Como este Estado responde por cerca de 20% do tráfego de e-mails dos EUA, e o diploma diz que cabe aos "spammers" garantir que suas listas não incluam endereços eletrônicos de californianos, especialistas apostam que as restrições locais irão se "nacionalizar".

É claro que tudo pode ainda dar errado. A peça legislativa é tão forte que pode ser objeto de contestação judicial. Não será difícil sustentar nos tribunais que ela fere, por exemplo, as provisões constitucionais relativas à liberdade de expressão.

A norma também traz o risco de que se cometam algumas injustiças. É possível que alguém, talvez um concorrente pouco ético, envie para californianos propaganda da empresa rival apenas para provocar-lhe prejuízos. A firma que não agiu de má-fé terá, é claro, a possibilidade de defender-se em juízo, mas não necessariamente conseguirá provar sua inocência e, mesmo que consiga, terá gasto muitos milhares de dólares em custas judiciais. Não creio que o reconhecimento desse flanco para potenciais iniquidades baste para recomendar a exclusão da lei. Se a possibilidade de abuso fosse um argumento válido contra iniciativas legislativas, nenhum Parlamento do mundo teria o que fazer.

Mesmo que a lei californiana sobreviva aos advogados, ela deixa abertos alguns buracos para os "spammers". Empresas sediadas fora dos EUA e que entreguem seus produtos via internet (caso da pornografia, cassinos virtuais etc.) ou via correio comum (farmácias on-line, produtos de informática etc.) ainda poderão abusar dos spams, pois não estarão sob jurisdição norte-americana e muito menos californiana.

De toda maneira, se a legislação anti-spam for capaz de reduzir substancialmente o volume de "junk-mail", já terá valido a pena. A vida moderna, em que pesem as inúmeras vantagens que proporciona, cobra também alguns gravames. Reconhecer esse fato não significa que precisamos tolerar qualquer coisa. Por mais razoáveis que sejamos, não é razoável achar que seja normal receber material não-solicitado, perder um precioso tempo e ainda ter de pagar por isso. Na minha opinião de internauta violado, esses elementos já bastariam para qualificar o spam como furto, talvez até estupro virtual.

hélio schwartsman

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

 

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