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hélio schwartsman

 

05/10/2006 - 00h00

O abacaxi e o chuchu

Lula conseguiu o que se afigurava mais difícil: deixou escapar entre os dedos a vitória no primeiro turno. Tendo obtido 48,61% dos quase 96 milhões de votos válidos, o presidente ficou a 1,3 milhão de sufrágios do necessário para liquidar o pleito no domingo passado. Ele até pode tentar falar em golpe, armação e complô das elites, mas o fato é que devem ser atribuídos ao PT e ao próprio Lula os erros que levaram a eleição ao segundo escrutínio.

Com efeito, o presidente liderava a disputa com boa folga até mais ou menos 15 dias antes do pleito, quando um grupo de petistas foi apanhado tentando negociar com notórios estelionatários um dossiê com acusações contra tucanos. De lá para cá, só se seguiram más notícias para o PT.

Entre os envolvidos, havia gente próxima ao presidente da República.
Ricardo Berzoini, presidente do PT e coordenador da campanha presidencial, teve de ser afastado. Fotos da dinheirama vazaram para a imprensa na antevéspera da jornada eleitoral. (As comparações com as imagens dos seqüestradores de Abílio Diniz vestindo camisetas do PT em 1989 não procedem; aquilo foi uma armação para prejudicar a candidatura Lula, pois os seqüestradores foram obrigados a colocar as camisetas antes de ser fotografados. Agora não, o dinheiro foi realmente encontrado com petistas).

Para tornar tudo um pouco pior, pegou bastante mal o fato de Lula ter-se recusado a participar do último debate presidencial. Tudo isso somado fez com que o presidente não amealhasse os votos necessários para uma vitória antecipada.

Sua situação agora se complica. Lula dá início à segunda etapa da campanha com um sabor de derrota na boca. Já seu adversário, Geraldo Alckmin, desponta como vitorioso, ainda que sua passagem para o segundo turno seja mérito do PT. A próxima bateria de pesquisas eleitorais já deverá colocá-los numa situação de quase empate.

Apesar disso tudo, ainda considero Lula o favorito. Para que ele vença, entretanto, será necessário que o partido e os principais colaboradores do presidente se abstenham de mais uma vez meter os pés pelas mãos, o que está se tornando uma especialidade petista. Decididamente, trata-se de um partido dialético, que já traz em si sua própria oposição.

Voltando a Lula, em princípio ele não teria grande dificuldade para colher entre os quase 10 milhões de eleitores de candidatos menores o 1,3 milhão de votos de que necessita para alcançar a maioria das preferências. Precisa também, evidentemente, conservar os votos que já teve. Aqui podem surgir obstáculos às suas pretensões. Ao que tudo indica, São Paulo e outros Estados do eixo Sul-Sudeste-Centro-Oeste atravessaram uma onda tucana nas 48 horas que antecederam o pleito.

Um bom indicativo dessa hipótese é o fato de Eduardo Suplicy, que, nas pesquisas reinava absoluto nas intenções de voto para o Senado na cadeira paulista, ter vencido por uma diferença muito menor do que a inicialmente estimada. Lula precisa torcer para que esse movimento não se aprofunde nem se espalhe.

Outra fonte potencial de dificuldades são as investigações sobre a origem do dinheiro que compraria o dossiê. A PF já enrolou o quanto pôde na divulgação dos sacadores. Mais cedo ou mais tarde terá de revelar seus nomes, que poderão trazer novos dissabores à candidatura oficial.

O presidente conta, a seu favor, com o fato de já ter suportado denúncias bem mais graves. Muitos analistas estão dizendo que o tempo agora atua contra Lula. Não ousaria desmenti-los, mas não excluo a possibilidade de os mesmos anticorpos que protegeram o presidente de tantos e tamanhos escândalos voltem a atuar, fagocitando as novas acusações. Na hipótese de o "dossiegate" esfriar, não há em princípio razão para que Lula não reconquiste o terreno perdido, da mesma forma que se recuperou da crise provocada pelo mensalão.

A situação de Alckmin, que hoje parece muito boa, não necessariamente continuará assim. Em termos de produto, ele é bem menos carismático que o adversário _e não há nada que se possa fazer a respeito. O presidenciável tucano também poderá sofrer "fogo amigo". Digamos, para ser simpáticos, que algumas das principais lideranças tucanas sentem-se ambivalentes em relação a Alckmin. José Serra e Aécio Neves, que têm a força de governadores eleitos, em primeiro turno, dos dois Estados mais ricos da Federação, não ficariam exatamente decepcionados com uma derrota do companheiro de plumas. Na verdade, seria bem melhor para suas pretensões em 2010 ver Alckmin definitivamente escanteado.

A maior barreira para o projeto alckmista, entretanto, ainda é a eleitoral. Seu desempenho no Nordeste, que reúne 27% do eleitorado, é pífio e, ao que tudo indica, continuará assim. Por lá não passou nem sombra de onda tucana. Muito pelo contrário, as surpresas que houve foram favoráveis ao PT, como a eleição, em primeiro escrutínio, de Jaques Wagner para o governo da Bahia.

Conferir o mapa da votação de Lula e de Alckmin é um interessante exercício sociológico. Acho que a divisão entre ricos e pobres, sulistas (Sul e Sudeste) e nortistas (Nordeste e Norte), instruídos e nem tanto jamais foi tão evidente.

Seria tentador atribuir a forte votação no petista, mesmo após tantos escândalos, à ignorância e à desinformação de seu eleitor. Mas tal análise não resiste aos fatos. Prova-o a constatação de que parlamentares envolvidos nas denúncias terem sido exemplarmente punidos nas urnas: 91% dos 67 deputados sanguessugas perderam os seus mandatos ou por não ter conseguido se reeleger, caso 43, ou por nem ter tentado, como se deu com 18 deles. Apenas seis obtiveram um novo mandato. E, dos três senadores metidos no escândalo, apenas um, Ney Suassuna (PMDB-PB), enfrentou a reeleição. E fracassou miseravelmente, mesmo tendo disputado no que se considera um dos grotões do país.

Sorte semelhante experimentou o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE), que havia renunciado ao mandato para fugir do processo de cassação depois de ter sido apanhado num caso de extorsão. Severino não volta à Casa como havia planejado.

Com os mensaleiros, porém, o eleitor foi um pouco mais condescendente. Dos 11 que acabaram absolvidos pelo plenário da Câmara, cinco foram reeleitos, dois deles (João Paulo e José Mentor) por São Paulo, numa prova de que estar num dos principais pólos de riqueza e educação formal do país não significa muita coisa.

Parece-me mais adequado analisar o fenômeno Lula como uma manifestação de pragmatismo. O eleitor, ainda que talvez não com detalhes, toma ciência dos descaminhos em que se metem seus representantes. O próprio Lula, convém lembrar, inicialmente sofreu impacto negativo por conta das denúncias de corrupção. Mas o cidadão que simpatiza com o presidente aparentemente colocou na balança as suspeitas e as realizações de seu governo e optou por desconsiderar o aspecto ético. É a versão tupiniquim de os fins justificam os meios.

Resta saber se esse cálculo se manterá na nova fase da campanha ou se Geraldo Alckmin, pela sua incrível capacidade de manter-se inapelavelmente insosso, triunfará valendo-se dos erros do adversário.

hélio schwartsman

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

 

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