Hussein Kalout

É cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard. Foi consultor da ONU.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

De volta à América do Sul

Ausente no discurso de posse do chanceler José Serra, a América do Sul volta a reluzir no mapa das opções estratégicas da política externa brasileira. Após um período de interinidade dominado pela aspereza diante de alguns países vizinhos, a diplomacia brasileira foi recalibrada na fala do presidente Michel Temer na abertura da Assembleia Geral da ONU e parece ter reencontrado o caminho da América do Sul.

Argentina e Paraguai são as primeiras paradas sul-americanas de Temer. Parceiros estratégicos, Brasil e Argentina atravessam realidades econômicas e sociais semelhantes. Ambos enfrentam o desafio de impulsionar uma política de austeridade fiscal, delimitar um teto para gastos na inchada máquina estatal e atrair investimentos privados para a infraestrutura.

Um dos desafios do encontro, em Buenos Aires, reside na forma como os dois países querem entrelaçar seus projetos geoeconômicos. Brasil e Argentina buscam redimensionar o papel do Mercosul e sinalizar sua pretensão de flexibilização das normas do bloco em prol de regionalismo aberto, inclusive convergindo com a Aliança do Pacífico.

Com o risco Trump, nos EUA, e o paradoxo do "brexit", na Europa, ambos os países chegam de modo tardio aos meandros de um comércio global mais aberto. Mitigar riscos de um insucesso é essencial para evitar tombos ainda maiores. O acordo Mercosul-União Europeia pode cair no imobilismo, dada a complexidade da situação europeia.

Outro ponto na agenda será a crise venezuelana. O iminente colapso do governo Nicolás Maduro deveria levar ambos os países a serenarem sua retórica, pensando em soluções efetivas para os riscos de convulsão social.

Já que Brasília e Buenos Aires se invalidaram como mediadores para uma crise que parece caminhar a um desfecho traumático, endossar a ajuda do Vaticano e facilitar a criação de um grupo de países para ajudar no diálogo interno para valer e sem precondições será um passo importante.

Ademais, apesar de expressões de simpatia pela candidatura da chanceler argentina, Susana Malcorra, ao posto de secretária-geral da ONU, o Brasil precisa ser cuidadoso no desembaraço de suas explicações, para evitar incompreensões, já que Brasília somente explicitará o seu enfático apoio mais adiante, se ela se provar viável.

No Itamaraty se crê na dificuldade de Malcorra em bater os candidatos europeus ou sobreviver ao veto britânico no Conselho de Segurança. A estratégia seria sustentar Malcorra até onde houver fôlego. Depois, embarcar na canoa do candidato português, António Guterres, um dos favoritos da disputa. 

Em Assunção, Temer precisa quebrar o gelo que marcou as relações desde a suspensão do Paraguai do Mercosul. Vários projetos prioritários ficaram à deriva, como a cooperação da segurança fronteiriça, comércio bilateral e Itaipu. É hora de reiniciar o jogo. A América do Sul é nosso espaço prioritário e tão fundamental quanto necessário cultivar relações com vizinhos, a despeito de idiossincrasias políticas.

Após o rechaço ao acordo de paz no plebiscito, o Brasil deveria assumir uma centralidade maior no diálogo interno colombiano, prevenindo a desintegração dos esforços de paz. Mais do que nunca, precisamos realinhar nossos ponteiros diplomáticos para a região.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.